O SONHO QUE SONHO

O SONHO QUE SONHO

Jorge Linhaça

O sonho que sonho

me deixa acordado

carrego em meu peito

mundos sem fim

Se sonho o que sonho

e se fico calado

sou anjo amputado

da fé que há em mim

Me dizem, me falam

já passou da hora

de colher os frutos

da semeadura

Meus lábios se calam

minh'alma já chora

coberta do luto

das minhas agruras

Se canto meu canto

liberto da usura

talves seja o medo

de perder o fio

Não sou nenhum santo

mas trago a candura

criada em mim cedo

um tanto infantil

Se a senda eu percorro

com meus pés descalços

num rumo incerto

(dir-me-ão alguns)

de fome não morro

enfrento os percalços

pois Deus está perto

não esquece nenhum

A fama é volátil

eterna madrasta;

Falso brilhante

a nos seduzir

qual faca retrátil

à alma desbasta

passado um instante

ela já nos fugiu

Castelos de areia

não tem alicerces

desabam assim

que as ondas os cobrem

Acendo a candeia

que a luz me empreste

na rocha enfim

as paredes já sobem

A minha tapera

sem luxo nem viço

na pedra construo

sem pressa ou clamor

Se finda a espera

prossegue o serviço

e o bem distribuo:

sementes de amor

Chegada a colheita

quem pode dizer

quais serão os frutos

de doce sabor?

Se o mal nos espreita

desde o nascer

a ajuda desfruto

de Nosso Senhor.

A semente lançada

ao solo depende

Se cresce ou fenece

se mirra ou abunda

A alma cansada

pro lado já pende

mas pela benesse

na fé se refunda

Semeio ao vento

o que posso dar:

nem prata nem ouro,

apenas carinho

Palavras de alento

que possam guardar

tal qual um tesouro

de um menininho

À Deus agradeço

o dom recebido;

se talento tenho

foi Ele quem deu.

Se eu esmoreço

ou fico esquecido

e a Deus não atendo

que homem sou eu ?

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