A CIDADE INAUDÍVEL

A voz de um anjo para silenciar teu silêncio

ventos uivantes calando quem és, quem não és,

a sacudir desde as raízes

o apartamento cravado numa curva

da São Paulo impermeável a mistérios

de cavernas

sombras

desertos

cada um dos impossíveis

de onde viemos

essas conchas de tempo para sempre ecoando

dias e mundos a esmo

meus pés pelo shopping

e refletido nas vitrines teu rosto, Heathcliff,

para todos os que não te sabem

o teu rosto, informatizado e cotidiano.

Mes pés lúcidos por onde

os pensamentos e os olhos jamais.

Bocas de vulcões

lavas invadindo a cidade

visível para mais ninguém.

Quando eu voltar para casa, Edgar Linton,

não temas. Continua a ler teu livro, imperturbável.

És minha mãe, sabes que sempre volto

metade do meu tempo.

Aqui os dias nascem e se põem sem sobressaltos

se não estou à janela exposta aos ventos.

Tu não verás Catarina, a delirante,

com todos os seus cabelos desgrenhados

mas Cathy e o pequeno Edgar na Internet,

navegando.

Lembra-te: amanhã sem sombra de dúvida

é domingo

e estaremos todos aqui, seguros.

A voz de um anjo para acalmar

tua ausência nos nomes ossos glândulas nervos

pele. O fogo de um deus das profundezas

que és tu, o louco, do poder por mim outorgado.

Enquanto no romance tua estranheza inteiriça,

monolítica,

na livraria o autografas, irreconhecível.

Todos os ventos invadindo

céus terras fogo entranhas águas.

Do alto desta charneca eu, a ouvi-los,

criaturas aladas sem qualquer leveza.

O anjo hesita

guarda a própria voz na garganta

aguarda a impossível ordem de outro anjo

para anunciar a hora

da libertação de Perséfone.