O SILÊNCIO DA ÚLTIMA VEZ

Ele voltava depois d'alguns meses.

Pouco falava, apenas se limitava, tacitamente, a responder à alguma pergunta.

-Eu não me conformo.

Dissera-me que todas as noites aconchegava os pés de quem estivera casado por sessenta e cinco anos, dentro duma relação com poucos percalços.

-Tivemos alguns problemas que todos têm. Eu não me conformo. Naquela noite eu sequer massageei os seus pés, e ela, em estranho silêncio, não fez nenhum poema. Se foi sem falar comigo. Se eu soubesse...

Carregava na mão um pacotinho que mo ofereceu.

-Isto é um presente para você. Um livro de poemas "in memorian". Eu lhe prometi que os publicaria mas ela sequer me esperou...se foi sem falar comigo...eu não me conformo.

Nota:

Ofereço este relato à memória da poetisa LIBERTY PÁDUA DIAS, falecida a pouco mais de um ano, aos oitenta e nove de idade,a quem tive o prazer de conhecer pessoalmente.

Aprendi que:

"Se pudéssemos pressentir todas as derradeiras horas da vida, decerto seguiríamos de coração trancado" (MAVI)