[O Poço do Meio-Dia]

[Memórias do chalé amarelo - Araguari-MG]

Embora sempre transitemos

Entre o sonho e o mito da realidade,

Seja a dor apaziguada ou não,

Não há por que nos angustiarmos:

Em três tempos, cessa o sopro das narinas!

TEMPO PRIMEIRO

No quintal do chalé amarelo,

Pino do sol do meio-dia e tempo infinito.

Rente à borda do poço, deitado de bruços,

Queixo pousado sobre os braços cruzados,

Vejo um cone que se escurece...

Escurece até terminar num trêmulo circulo

Líquido que mal rebrilha a luz do sol.

Nas enormes pedras de basalto

Que orlam a boca do poço,

Ali, onde começa o cone escuro,

Protegidos do sol e do vento, crescem

Tufos de avencas e tapetes de musgos.

A verdura das mimosas avencas

E o tenro veludo dos viçosos musgos

Atraem a minha mão... Por que será ?!

A vida, se é que passa, passa longe de mim:

Cantam monotonamente as galinhas;

Trota um cavalo pela avenida.

Três ou quatro casas acima da minha,

Toca a buzina da carroça do Cícero leiteiro,

(Logo ele chegará aqui... penso...);

No alto da cidade, soa o apito do trem;

E do pátio lateral da Igreja Matriz,

Sobe o foguete de todo meio-dia.

Mas ali, à borda do poço do cone escuro,

Sob o fulgor do sol no centro da celeste abóbada,

O tempo-menino parou — parou mesmo;

Outro mundo, nunca existira,

E o porvir — para quem? para quê?

Mais dores? — Ah, que não viesse nunca!!

TEMPO SEGUNDO

Aproximo o meu peito da borda do poço

Tentando alcançar os musgos e as avencas;

Estendo-me mais e mais... até cair no poço!

Caio com as mãos cheias de avencas e musgos,

E vou caindo... caindo... caindo...

E vejo o cone se abrindo... se abrindo...

Espero o baque do meu corpo na água,

Mas o que toco, é... areia!

Surpreso, penso ter chegado ao fundo do poço;

Mas não; ainda não, pois a areia cede,

O fundo se abre, eu escôo com a areia,

E caio outra vez no vazio frio...

E vou caindo... caindo...

No cone escuro que termina

Em outro fundo... também de areia!!

Dali, suavemente, eu torno a cair;

Agora, suspenso num túnel escuro,

Gira lentamente o meu corpo;

E num intenso arrebatamento,

Eu vou caindo, caindo...caindo...

E sempre chegando às areias cedentes

De sucessivos falsos fundos,

Mas sempre, com um punhado

De tenros musgos e verdes avencas

Apertado firmemente em cada mão.

TEMPO TERCEIRO

De súbito, toco o meu corpo —

Agora, não é meio-dia;

O chalé amarelo não é mais;

As galinhas morreram;

O cavalo terminou no matadouro;

O leiteiro vem é de camionete;

O trem buzina rouco, não apita;

O foguete do meio-dia não sobe mais;

Aquele poço de fundura sem fim,

Onde atirei os tamanquinhos

Das manhãs dos meus cinco anos,

Sumiu, virou o cimentado verde de uma tumba;

E Minas, para mim, não vai ser mais...

Agora, todo santo dia,

Eu olho para o horizonte,

Limpo dos meus ombros

A areia que ficou de ontem,

Saio, entro no meu carro,

Acelero e retomo a vida.

E as minhas mãos, endurecidas,

Não mais conseguem sentir

A delicadeza daquelas verdes avencas

E a maciez de veludo daqueles musgos.

[Do meu livrinho “Arribadas, O Passo da Volta”

Projeto “Memórias do Chalé Amarelo”.]