DÓCIL NAUFRÁGIO
Salga-me a carne o mar que navego,
Caustica-me a alma o vento à deriva
E gaivotas gementes mergulham-me os olhos,
Perdidos na linha onde pesco horizontes...
E as vagas embalam-me,
E o barco é meu berço,
Entrego-me, esqueço...
Salpicam-me os olhos gotas de tormenta,
Fustiga-me a esperança a vela rasgada,
E os risos disformes das nuvens em ânsia
Agitam o ventre do silêncio incontido...
E as vagas embalam-me,
E o barco é meu berço,
Entrego-me, esqueço..
Cerra-me o círculo uma praia sem terra,
Atinge-me o golpe do naufrágio que mina
As areias dóceis do meu abandono,
E as gaivotas pousam, em preces aladas..
Aladas de branco,
Aladas de paz,
Que a espuma, de raiva, desfaz...
E as vagas embalam-me,
E o barco é meu berço,
Entrego-me, esqueço...