PLUTÃO

Eu te sei nos meus ossos no meu sangue

de esvaídas manhãs. Eu te sei na brancura atônita

das coisas todas que já não são. Eu te sei no grito

de todos os impossíveis. Eu te sei no ventre

de tudo para onde não sei voltar. Eu te sei nas máscaras

que jamais antes usei.

Eu te sei na claridade insofismável das manhãs

quando o Sol é. Eu te sei quando a criança canta

a canção que é. Eu te sei porque o dia se abre inteiro

no Dia que é.

Eu te sei quando as coisas que são parecem

e te sei se as coisas que parecem são.

Eu te sei quando as nuvens aparecem de repente

e te sei quando inexplicavelmente elas se vão.

Eu te sei no rosto que surge no espelho

e te sei no rosto que os outros guardam e eu não.

Do fundo do que já não sou lanço meu grito

e este grito estremece as flores

que me brilhavam nas mãos

quando eu era Coré

e ainda não me havias colhido

Senhor das Profundezas.

Não me havias colhido ainda

mas desde sempre habitavas os subterrâneos

que eu desconhecia mas já eram meus

e meus para sempre serão.

Jamais compreenderei tudo o que sempre soube

tua presença junto àquele narciso

aberto repentino diante dos pés.

Desde então se quedou minha mãe órfã de mim.

Impiedade tornou-se meu nome

agora que já não derramo

as lágrimas escaldantes no Reino

que me vi obrigada a presidir.

Quando hoje, metade do meu tempo,

volto à superfície que habitava

nos dias juvenis,

minha mãe se alegra como se eu ainda

fosse a donzela antiga,a que não partira

para o Mundo Oculto onde moram as Sombras.

Não devo me alegrar nem me iludir:

o brilho da superfície não oculta

tudo o que me ensinou a Escuridão.

A dor de transitar entre os dois Reinos

é minha e minha só. Minha e só minha

essa fidelidade de face dupla

a ti, mãe, e ao meu cruel senhor.

Tornar-me a outra, cumprir-lhe o tempo e,

sem hora de saudade, regressar à Noite.

Assim este Destino sem par nem remissão.

Quando o Tempo inscreveu minha história em seus anais

desde a pré-existência não me foi facultado dizer NÃO

nem TALVEZ. Agora, senhora-serva dos subterrâneos,

já não me cabe, diante do Sol,

colher os frutos do Sol

nem semear para os que virão.

Plantem as sementes ao Sol os inocentes

os deserdados da sorte que na alma

permanecem virgens de si

os adeptos de Apolo que abominam

no âmago das noites as danças orgiásticas

todos os que se curvam, humildemente,

aos vaticínios dos deuses

por isso nada temem

e porque nada temem e tudo acolhem

são e serão para sempre felizes.

Eu sigo a trilha dos eleitos para a Solidão

que meu senhor não é meu par, é meu senhor.

Casei-me para um Reino que não quis

e já não sei pertencer ao Reino em que nasci

as terras banhadas de luz solar

para onde o Destino me obriga a voltar

em cada primavera

a fim de suprir de forças minha mãe

Deméter, aquela que ensina os homens

a semearem o trigo

e a fabricarem o pão.