Naquela noite nos sentamos nas escadarias da Catedral, fazia muito frio, tava gelado mesmo. Coloquei minha blusa em seus ombros e admirava sua carinha branca se fazer quase transparente, a boca meio rocha soltando uma fumacinha quando falava. Eu me segurava para tremer menos enquanto você insistia em me devolver a blusa, mas eu rejeitava. Como eu queria aquela blusa, meu Deus...
Tudo era incrivelmente bom. Eu a olhava dormir chupando o polegar e enrolando os cabelos amarelos que só eles. Ao acordar, percebendo sua ausência na cama, sonolento eu ia à cozinha e você tava lá com aquela bundinha franzida, cara intumescida... perfumando a casa com cheiro de café. Pouco mais tarde estava você com as mãos fedendo a alho. Cara, como eu gostava daquilo...
Mas eu fiquei doente e era contagioso. Tive de me tratar e combinamos superar a situação juntos e que nada estaria findado entre nós. Então parti.
Hoje minha saúde está perfeita. Mas você não me esperou. Quebrou o trato.
Pelas redes virtuais, procurei-a incansavelmente e seus antigos amigos não sabem de você. Não mais que eu. Pouco se passou e você se tornou uma prostituta, mas insiste em ser chamada de acompanhante. Sabe, estas palavras de mil, meio não são ao que sinto. Ainda sinto aquele frio da Catedral todas as noites, ainda te amo, mas não te encontro. Quase duas décadas se passaram e você continua no meu pensar com cheiro de alho e tudo... está viva demais em mim. Suas preferências, seu jeito de respirar ao fazer amor. Você pra mim era a mulher mais bonita do mundo inteiro. A mais formosa que podia existir.
Olho essas escadas, sento, relembro. Eu não quero mais voltar aqui. Este retrato vai consumir no tempo inda que habite em minha mente, não sei do que se alimenta para tanto e bem viver. Mas eu quero partir mais uma vez, mas para bem longe do frio da Catedral.