Mariposa

Pudesse percorrer esse vão entre as paredes

marcadas de quadros, molduras, fantasmas

tão desbotadas, tão aprisionadas de cor e de vida

rachada, manchada de tinta, tão demolida

sujar minhas mãos de terra batida molhada

infiltrada, buscando a saída

pudesse rasgar essa teia, essa lâmina

essa vaga, essa água tão dividida

essa anima piange, piove, diventa

essa l’altra que tenta...

pudesse romper esse estanho, tingir o castanho

cortar esse pelo, esse zelo

quebrar esse gelo, esse braço

pudesse pisar esse chão tão cheio de cacos

espelhos partidos, pontas de vidro, pedaços

pudesse catar essa sobra, esse resto, esse gesto

volver esse lixo, encarar esse bicho

essa fera acuada que espreita, que olha de lado

pudesse bater essas asas do vento

espalhar esse pó que brilha, que esfrega

que coça, que agita, aflita

mariposa que pousa, borboleta que voa

essa bruxa, essa fada, essa louca

que cega meus olhos

que abre minha boca

que canta, que sopra, que grita.