ERA TARDE

Tu te lembras?

Era tarde

era muito tarde

mas nossas mãos insistiam.

Sobras do Sol escoavam ainda

pelos nossos dedos.

Era tarde.

Palavras desnudavam o ventre virgem

como vieram ao mundo

matrizes entregues ao Amor

para nosso deleite e assombro.

Era tarde.

Palavras se iniciavam

nas práticas do Amor.

Depois, tecido em ouro

o corpo do Silêncio

cobriu os nossos segredos.

Era tarde.

Cantávamos uma canção antiga

a evocar sonhos de ilhas

mundos para além do vento

e do trêmulo Sol

os tantos mundos

para além do Bojador.

Era tarde.

Os deuses de nomes vários

antagônicos

lançaram desafios a quem no mar.

Terras emergiram

tontas do sono profundo

grávidas de abismo.

Sombras do Fundo escoando

pelos nossos dedos

sombras do Fundo

lembranças das Inferas.

Assim, ungidos de sonho e abismo

chegamos, navegadores,

às praias do Nosso Mundo.

Era tarde.

Tarde demais para o Velho Mundo.

Chegamos quando a noite começava.

Depois, as estrelas e os abismos

se entranharam em nossas veias

e nascemos.