A ESSÊNCIA DO TEMPO

Entre cifras, telas e horas contadas,

o mundo tece fios em mantos efêmeros

corre o relógio, mas não marcam as horas

o abraço que adiamos, o verso não dito

entre as sombras do que chamamos "vida".

Há um rio correndo em cada esquecimento:

são as mãos que não se tocam,

os olhos que se perdem em labirintos vãos,

enquanto o amor, discreto,

apaga-se como lua sob o alvoroço das ruas.

Que importa o ouro das conquistas

se o silêncio compartilhado se esvai

em copos vazios de presença?

São as migalhas do tempo, sagradas,

que nutrem a raiz do nosso ser ,

um instante de riso, o afago na fronte,

o olhar que demora no outro

e descobre universos não mapeados.

Desliga o ruído que nos inventa donos do vento.

Deixa que a brisa desfaça os números

e escreva, em tua palma, a única dívida

que a morte cobrará:

o amor não vivido, a palavra engasgada,

o café esfriando em duas xícaras sós.

A vida é breve como um suspiro entre guerras.

Não a troques por espelhos que refletem

sombra de ti mesmo.

Aquece-te no fogaréu dos que te guardam

a alma inteira, descalça e sem relógios ,

pois quando o poema do mundo se encerrar,

só restará, no verso final,

o nome daquele que soube amar.

(Um convite a cerrar os olhos

e ouvir, enfim,

o baile das ausências

transformando-se em abraço.)