PÓLEN DAS ESTRELAS
para José Garcia Costa
Meu amigo dorme
na noite pura.
Animaizinhos nascendo na floresta
flores de lótus abrindo-se em silêncio
seio materno
brancura
Via Láctea
estrelas de matizes delicados.
Meu amigo dorme.
Desde sonho não sei
mais que um tremor levíssimo de pálpebras.
Sinto a noite se abrindo devagar
e o canto dos mundos indizíveis
acalentando a criança pequenina
flor toda aberta ao pólen das estrelas.
E enquanto dorme
o mundo silencia
seus cânticos de guerra
suas horas pesadas
as árvores sangrando
os pássaros funestos
as palavras que não sabem mais nada
do mundo
de si mesmas.
Meu amigo dorme
e enquanto dorme
sua vida se abre
a um relógio sem pêndulo.
As palavras são cores
as estrelas, ponteiros
por onde flui seu pensamento.
E eu, toda nova
dessa música que brilha
em seus cabelos
- fruto maduro ainda úmido
do parto das estrelas -
fecho também os olhos
e ao útero da noite
confio as minhas asas.
Texto escrito em 14 de agosto de 1988
Título original: Meu Amigo Dorme
Do livro ESPELHOS EM FUGA, Editora Objetiva, 1989.