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Zoocracia
Temos saudade da nossa infância, certamente. Nós, os quarentões, cinquentões. Nós que já nos intitulamos algumas vezes de “Os sobreviventes”.
Quando éramos crianças, armas de brinquedo não causavam espanto – afinal, eram as nossas armas. Mas o tempo voa e nos joga, atônitos, numa época em que tudo ofende, tudo é pecado, tudo causa espanto, aversão; tudo está sendo criminalizado. Do que tenho medo, muito medo, é de ver armas em mãos de bandidos, armas reais que matam! Pena que essas armas letais, em mãos de bandidos, não causem espanto – pelo menos é essa a minha impressão. E tenho muito medo, muito mesmo, quando percebo que as nossas crianças não usam mais as armas que me ensinaram a ser herói. In fact, o que precisamos desarmar são nossos espíritos; arrefecer nosso veneno verborrágico e voltarmos a ter a inocência da nossa infância, acreditando que somos policiais, mocinhos... Lutando contra bandidos, numa luta pueril, onde o máximo que aconteceria era ralarmos os joelhos e irmos para casa, chorando, mas felizes, festejando a ingenuidade impagável da liberdade de ir e vir, sem medo.
A liberdade, entretanto, quando mal utilizada na democracia, pode tornar-se um artefato perigoso – pode migrar do campo da abstração para a concreta e manipulável acepção ideológica. Parece que o ódio sobrepujou o bom senso e a temperança. Discute-se demais o acessório e se deixa de lado o essencial. Que os ânimos se arrefeçam e Deus (para aqueles que efetivamente Nele acreditam) tenha misericórdia de nós, pois somente o amor constrói. Por todos os lados vemos agressões, mentiras, trapaças, revanchismo, intolerância e elucubrações momentâneas, sem reflexão. Há algo muito errado com a humanidade que precisa mudar urgentemente.
O jovem do Ensino Médio parece inepto e confuso, incapaz de cumprir o caráter crítico a que deveria ter sido submetido. De igual modo, em nossas universidades, não temos, em sobejo, a reflexão necessária – falta a provocação ética, isenta, sem maniqueísmos e tipificações apressadas, esdrúxulas e tendenciosas. A reflexão, substituíram-na pela farsa, pelo teatro.
É lamentável o tipo de política que praticamos; execrável o tipo de eleitor que temos e preocupante o nível, quase ao rés do chão, das informações que nos chegam e que nos tentam orientar, subliminarmente. Os políticos, no teatrinho fantasioso das armas de brinquedo, inofensivas, mas que apavoram os asseclas do rei, de que lado estariam? Eles puxam o gatilho ou são os anteparos onde incidem os projéteis do terror que tanto professam?
Para Sertillanges, a altitude serve como norteador para a pequenez e o homem que não possui a real dimensão e o reto sentido das grandezas, deixa-se exaltar ou abater facilmente, quando não as duas coisas ao mesmo tempo.
A vulgaridade pública e a publicidade exacerbada de vulgaridades têm cobrado preços aviltantes de nós, sufocando quem se dedica à perfeição, em todas as suas nuances, e privilegiando, segundo Baudelaire, os sectários da zoocracia – os seguidores de um governo onde mandam os que se comportam como animais. Estaríamos nesse nível de evolução, todos nós animalescos seres, irreflexivos? Que tipo de humanidade seria essa que se revolta sem causa epistemológica, apenas repetindo, qual papagaio, rótulos de ódio e de preconceitos que tentam sustentar-se em nome do amor e da igualdade?
Nijair Araújo Pinto – Ten Cel QOBM
Cmt do 4º Grupamento de Bombeiros
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Publicado no Jornal a Praça, em 13/10/2018.
Iguatu-CE
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