Cachoeira do cerradão, onde aconteceu a história

                  Sigura. Sinão ele pula !

    O fazendeiro Mário Adolfo ia casando a filharada exigindo que todos morassem em suas terras, queria toda família sob seu domínio. Homem genioso, rude, às vezes até meio trapalhão. Com a idade, os problemas aumentaram. Quando contrariado logo dizia:
    —Ocêis num sabe du que ieu sô capaiz! Vô acabá dano um fim nessa vida marvada qu’eu tenho... Minha famia veve pá mim dá disgosto, ocêis mi contrarêia dimais. Credo!
    Dona Alzira, a esposa, tinha uma bondade sem fim. Não descuidava dele e pedia sempre aos netos:
    — Põe sintido no avô docêis, ieu tive uma sonharada ruim essa noite, num dêxa ele suzin não. Fico cum medo d’ele fazê uma arte qu’ele memo.
    Quando o homem se enfurecia tomava o rumo do paiol, onde guardava suas cordas. Todos sempre atentos, após qualquer briga seguiam-no e vigiavam pelas frestas enquanto ele amarrava as cordas, subia no tamborete e ajeitava a forca no pescoço. Não sendo bobo, armava o pulo quando os filhos já iam saltando pra dentro do paiol pra segurar suas pernas, impedindo que se enforcasse ou então cortavam a corda com uma foice ou machado que ficavam ali guardados. A vida ali era assim nessa peleja. Uma das despesas da fazenda era na compra de cordas todo mês.
    Dona Alzira sabia que o marido costumava afanar mantimentos da própria despensa, escondendo-os numa gruta à beira do rio. Quando este ia à cidade abastecia as panelas de algumas senhoras de vida incerta. No intuito de manter a harmonia familiar ela se calava, redobrando os cuidados com a saúde dele.
    — Ô Maradorfo, meu véio, num fica assim não. Ieu fiz um chazim de camumila procê, vem cá e bebe. Ocê tem qui se acarmá home. Num dianta ficá assim, nóis morre e num leva nada desse mundo memo.
    Apesar da dedicação, ela também era vítima da brabeza do marido. Um dia sem querer apanhou-o na despensa a encher um saco de aniagem com os tais mantimentos. Envergonhado, não teve alternativa, o jeito foi esbravejar desviando a atenção dos filhos:
    —Ocêis mi sigura gente!... Mi sigura! Sinão ieu hoje faço uma bobage ca Arzira... Ô diaxo de muié atentada sô! Ela veve pá mi amolá! Será qui ieu num tenho sussego nem pá arrumá a dispensa qui essa dismazelada num cuida? Aqui tá uma miada danada. Tá chei de rato!
    Dito isso pegou seu cavalo, saiu a galope sem ser visto.
Uma das filhas, preocupada deu o sinal assim que o pai não apareceu para o almoço. Foram ao paiol e nada de achar o homem.
    Adolfinho neto mais novo entrou na cozinha correndo:
    — Ô vó Zirinha! Ieu tava lá no curral brincano e o vovô Dorfo passô lá e deu um abraço ni mim e falô que tava dispidino pruquê ia pulá lá de riba da cachuêira do Cerradão...
    Foi um alvoroço! Gente correndo pra todo lado. Aquele dia parecia que ele ia cumprir a ameaça. A fim de evitar a tragédia, saiu dali uma multidão: Filhos, genros, noras, alguns netos. Todo mundo correndo a pé. Serra arriba lá se foram...Dona Alzira não quis ir, alegou que o reumatismo a impedia de acompanhar a carreira do povo. Entregando o caso a Deus pegou seu terço e foi rezar no quarto.
    Ouvia-se ao longe o barulho da cachoeira. Os mais jovens correndo na frente, alguns perdendo as forças iam ficando pra trás. Logo depois da curva avistaram o cavalo solto pastando.    
    As filhas chorando já sem esperança de achar o pai vivo, gritavam:
    —Paiêee! Num faiz isso cum nóis não! Nóis jura qui num contrarêia mais o sinhô! Pelamordedeus num pula não!
Os genros em meio à choradeira das mulheres se apartaram pra discutir a partilha das fazendas do sogro.
    —Ieu fico cum aquela fazenda lá do chapadão. Disse o Osvaldo.
    Odorico logo reclamou:
    —Veiaco. Tá iscoieno a mió procê né?
    Gertrudes, a nora cortou o assunto dizendo:
    —Ocêis ispera amenos nóis interrá o home pá dispois parti os trem dele, uai. Já imainaram se os fio dele iscuta isso?
    Foi quando um dos netos gritou:
    — O vô Maradorfo tá qui vivim. Ieu achei ele!
    Mais adiante o viram sentado numa pedra bem no alto, onde as águas ferozes encontravam o precipício e caiam numa altura de quase 200 metros.
    Tranqüilo, o velho Mário Adolfo cortava um pedaço de fumo de rolo com o canivete, tendo ao lado um embornal com uma vasilha de café e uns pães de queijo. As botinas ali na pedra. Seus pés descalços balançavam ao vento. Ele nem deu confiança àquela pequena multidão.
   Desapontado um dos genros diz:
   —Grazadeus qui o sinhô inda num pulô meu sogro! Nóis chegô bem in tempo di invitar essa disfeita qui o sinhor ia faze cum nóis sô!
    O velho sogro olhou o genro de soslaio e disse:
   —Pó pará cum essa cunversa pá boi drumi, qui ieu cunheço munto bem os genro amoroso qu’eu tenho.Tá mi iscuitano Osvardo?
    Os outros seguraram o riso ante a descompostura que o sogro passou no Osvaldo e se calaram.
    Um dos filhos:
   —Pai do céu o sinhô quais qui mata nóis tudo de tanto susto! A mãe ta lá em casa numa agunia de dá dó, tadinha...
    Sossegado, fechou o canivete, acendeu o pito de palha, acomodou as costas no barranco e falou a todos:
    —Uai cambada! Ocêis deve de tá tudo variano... Intão acharo qu’eu sô besta ou caduco? Pensaro qui ieu ia intrá nesse mundão de água fria com os pé quente das butina e cum corpo suado de tanto andá a cavalo subino essa serra? Ieu tô é isperano refrescá os pé e o corpo quente pá adispois ieu pulá da cachuêra. Pá mode qui sinão inda pego uma gripe ou inté uma constipação...




                              

                                           Meus bisavós maternos, personagens da história