Sempre achei que os contos de fadas só servem para dar maus exemplos e, assim, prestam um desserviço à formação das pessoas. Ao contrário de muitas fábulas, que resguardam um sentido moral em suas estórias, os contos de fadas são engodos que corrompem o caráter ainda em formação das crianças que, depois de adultos, ficam por aí dando cabeçadas sem saber exatamente o porquê.
Note-se que nas tramas dos contos de fadas a distribuição de trabalho e sacrifício para os personagens é algo injustamente desproporcional. De um lado, existe alguém dando a cara a bater e carregando o piano para que outro alguém, sem mais nem porquê, desfrute dos resultados sem qualquer comprometimento ou esforço.
Calma! Não estou querendo insinuar que o amor não é lindo e, tampouco, que a felicidade para sempre não existe. De fato, o amor é sublime e há muitos exemplos na vida de quem conseguiu, a seu modo, encontrar um jeito de ser feliz. Entretanto, ao contrário do que essas estorinhas enganadoras querem fazer crer, a felicidade não decorre necessariamente do amor de forma pura e simples. É preciso empenho, é preciso trabalho, é preciso sacrifício e, principalmente, uma verdadeira comunhão de interesses que ultrapasse meras juras de amor que fiquem no vazio.
Vejam só que coisa! As heroínas dessas histórias estão sempre à espera que um galante cavaleiro, imbuído do que elas chamam de “verdadeiro amor”, venha salvá-las de suas mazelas, sejam elas quais forem. Importante, entretanto, que ele seja um príncipe e que tenha um belo castelo e concretas possibilidades de reinar sobre domínios que se percam de vista no horizonte. Ou seja, ninguém quer um ferreiro trabalhador e valoroso, mas todo mundo quer um príncipe bem abastado.
E esses heróis acabam tendo de enfrentar algum tipo de desafio terrível, combatendo ferozes dragões ou bruxas com um arsenal de feitiços que torna qualquer embate uma luta desigual. Mas, em nome do tal “verdadeiro amor”, lá vão eles se estreparem todos em suas batalhas munidos somente com espadas, lanças e escudos e uma bravura que requer sempre que se coloque a vida em risco. Em troca, quando enfim suplantam tais obstáculos, ficam com o merecido prêmio que é ter seu amor correspondido pelas heroínas.
Ocorre que donzelas encasteladas, princesas injustiçadas ou damas enfeitiçadas não têm de dar nenhuma contribuição ou contrapartida concreta. Elas só sabem sofrer e pedir socorro e, quando muito, podem oferecer sua graça, seu charme ou sua beleza; e nada mais! Elas não servem para conversar algo mais sóbrio e profundo, elas não estão prontas a serem solidárias, elas não se emprestam ao risco, elas ficam lá, sendo meros adornos para enfeitar as vidas dos cavaleiros que se estropiaram para conquistá-las. Ah! Mas o amor é lindo!
Difícil crer que situações como essas levassem corações enamorados a serem felizes para sempre. Mais cedo ou mais tarde alguém acabaria se enchendo do diacho da relação, porque não dá para sustentar a vida só com melosas juras de amor.
Creio que por isso, haja tanta gente infeliz no amor neste mundo. Há mulheres que nunca encontram um príncipe adequado, ou porque ele não é tão encantado assim; ou porque sua alteza nem chega perto da pompa que a realeza deveria ter; ou porque os dragões que havia no caminho não foram lá bem aniquilados. Os homens, por seu turno, quando se enjoam de donzelas que só servem para enfeitar o ambiente, acabam indo procurar outras que necessitem ser salvas, para reproduzir aquela gloriosa sensação de conquista em que eles se sentem os maiorais.
Para tanta gente que não consegue se livrar desses falsos ideais que os contos de fadas sugerem, é bom alertar que esse tipo de amor tem vida curta. Chega logo o dia em que se conclui que o que era “para sempre” acaba ficando no “era uma vez”.