Perdoa, Poesia! Perdoa!

 
Perdoa, Poesia! Perdoa!
 

     Oh! Poesia, hoje é teu dia! Felizes são os seres que conseguem encontrar-te na vida.  Há, sim, muitos que te louvam e que te honram a nobreza, coroando a alma humana com algo de sublime,  colorindo este mundo de desventuras com tua graça, teu conforto e teu consolo.


     Porém, me sinto constrangido pelo que muitos andam fazendo contigo, impunemente. Oh! Poesia!  Como é triste ver-te, vez por outra, vilipendiada por aí, sob os olhares inertes dos que não ousam te defender.


     Tu que nasceste cântico, hoje és retalhada em espasmos sem um mínimo de ritmo. Há quem pilhe sem pudor o doce som das palavras entoadas. Palavras, vivificação verbal do sentimento e que, nas mãos de alguns, tornam-se o anticlímax da expressão.


     Não sei o que dizer dos que te profanam, corrompendo tua arte ao darem trato vulgar na construção de idéias, amontoando frases autômatas, que nascem da hipocrisia de quem quer se destacar por ser poeta, mas não tem o mínimo estofo de respeitar-te em ti mesma.


     Tu, que és lúdica quando explicitada, torna-te não mais que reles e banal passatempo de quem não tem tempo de aprender-te o verdadeiro valor. És para ser reverenciada num ritual de palavras ungidas e não como se fosses um arremedo de palavras-cruzadas. Porque é nisso que muitos te transmutam; num reles jogo de desmontar e montar, armar e desarmar; sem propósito outro que não simplesmente jogar.


     Ah! Poesia! Não há como não ficar atônito com a atitude dos que te corromperam o lirismo, substituindo-o por uma afetação sentimental, ora vazia de emoção, ora cheia dos lugares comuns que são toscas paródias da beleza que deverias expressar.


     Quantas guerras já se fizeram em nome da defesa  da paz?  Quantas injustiças já se cometeram em nome da ética?  Quanto mal é feito em nome do amor? Parece ser da natureza humana subverter os mais nobres valores e, assim, também fizeram contigo, Poesia.


     Não é possível aquilatar quanta mediocridade se perpetra em nome de uma falsa simplicidade – que nada tem de ingênua – ou, em nome de uma falsa humildade, que é capa de cordeiro que encobre a soberba dos lobos inaptos.


     Oh! Poesia! Neste teu dia, peço-te perdão! Não só porque eu mesmo não te tenho honrado como bem mereces, mas ainda porque nada faço diante de tanto aviltamento que te assola.


     Perdoa, Poesia! Perdoa!