Bom mesmo deixar "pintar um clima"! Serve para o que serve, para afinar a verve: fazer a palavra fluir entre nós como o tronco duma árvore entre os seus ramos. Assim me imagino abraçado a ti, troncos duma mesma raiz aprumada com belas zonas de ramificação, pilosa, de crescimento, e uma perfeita coifa a enterrar-se mais e mais nesta Terra do Sempre onde quando chegas há festa!!!
As palavras saem à rua e dançam, a natureza humaniza-se respondendo a uma ideia de ordem que aceita a desordem procurando a vertigem e o caos, o esplendor, a luz... Tudo se ilumina quando penso em ti de olhos fechados, imaginando a foto que me dizes ir receber amanhã.
Não me decido a fazer um romance para lá meter as experiências ficcionais onde a realidade acompanha o possível da imaginação que é tudo e mais umas raspas: o Universo e os versos, a prosa e os cangurus, os gurus e as papoilas, a heroína e o vilão, o monstro e a bela, a vela e o barco, embarco...
O que estava para publicar hoje e ia dar muita confusão, assim não confundirá ninguém: o fundo fundirá, a forma nele ficará diluída, o amor é este prazer no algures duma distância que nos une. Cá vai então
segunda carta (conto)
Resolvi nomeá-la como 'segunda carta' pensando escrever uma 'primeira carta' que deixo para depois. Esta virá a ter outro título, pensei: filhas-da-puta. Filhas da puta duma sensibilidade que lhes permite serem histéricas e... filhas-da-puta.
A tua amiga contou que fui ter com ela a meio da noite: Boa Noite!? A tua amiga, se eu estivesse no teu lugar a ouvi-la, ter-me-ia dito ser uma "filha-da-puta". Porquê?
O que te pode ter dito a tua amiga? Fui ter com ela a “meio da noite”, talvez uma hora depois de cada um de nós ter ido para o seu quarto. Tínhamos estado na cozinha, ela não se calava, eu estava cheio de sono.
Contou-me como acordava ou não acordava e estava acordada ou ficava, com naturalidade, quando alguém lhe entrava no quarto. Porque estava habituada a viver acompanhada, ou sei lá..., o quê?
Quando fui para o quarto fui fazer o meu registo "cadernal" e fiquei inspirado, escrevi uma hora ou mais. Quando acabei, apeteceu-me ir falar com ela. Admiti estivesse a dormir, pensei poderia estar a trabalhar...
Não te pode ter dito mais que isto: fui ter ao quarto dela, deitei ao lado dela; a cabeça junto aos pés dela, virados da cabeça para os pés. Ela estava deitada com a cabeça para os pés da cama, para ficar com os ouvidos mais longe da parede, evitando os sons dos carros logo pela manhã.
Dei conta do erro, fiquei ao lado dela com os pés para os pés, disse-lhe que tinha estado a escrever e tinha-me apetecido falar mas que estava muito calor e falávamos no dia seguinte. Meu dito, meu feito.
Se uma minha amiga me dissesse isto, só para me dizer isto, eu pensaria para que estás a contar-me isto? Perguntar-lhe-ia e ficaria a saber que ela era minha amiga e só queria que eu soubesse... Bom, não consigo imaginar os motivos das filhas-da-puta, acho que são evidentes como as pedras! São "filhas da putice", para criar coscuvilhice. O "cuscar?" das velhas que aprendem logo de novas quando têm queda para a coisa, algumas haverá que não terão. Merda para a questão! Será a coscuvilhice, uma coscuvilhice vil, sem idade?
Com isto estou quase a chegar às motivações mais profundas da escrita, foi com as orelhas das mulheres que comecei a escrever, a ler-me, a ouvir-me falar, a escutar as palavras no silêncio da noite.
Comecei a escrever quando tinha dezoito anos, a escrever todos os dias: raramente me esqueço ou deixo de ter tempo. Foi o que procurei fazer com a tua amiga, posso tê-la insultado e, com o que disse, insultar não sei quem? Achei que a tua amiga dava uma personagem completa para esta carta-conto, uma história feita à pressa: um alinhavar...
Agrada 'alinhavo'? Não me desagrada.
{Há qualquer coisa de vertiginoso no acto da escrita, apetece-nos soltar as palavras, cortar a corda à pipa: deixar ir o papagaio de papel...}