O Maquinista

Publicado por: Pacco
Data: 24/06/2010

Créditos

Peça Sinfônica. Uma viagem de trem, numa Maria Fumaça. Dedicamos esta peça para o meu mestre de contrabaixo acústico. Professor Nikolaus Schevtshenko. Esta composição foi escrita em 2002 - foi a primeira inspiração. Duração: 20 minutos. Hoje, ela está com 25 minutos. Paulo Costa e Madalena Romagnolo.
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O Maquinista

Esta poesia e o poema sinfônico

são dedicados ao professor Nikolaus Schevtshenko.

I

Minha primeira Fantasia

Transformou-se em Sinfonia —

Repleta de aventura.

Era u’a simples melodia

Que sonhei, num belo dia —

Reger na partitura.

Quando acordei, naquele dia...

Oh! Quantas imagens eu via...!

Pareciam bem reais.

Inda estava mui confuso,

Ao ver tudo aquilo incluso —

Para mim era demais.

Achei que estivesse a sonhar...

E comecei a m’enfronhar

Naquilo que sentira.

U’a Viola e um Violoncello,

Soava um som singelo...

Foi tudo qu’eu ouvira.

Como um passo de mágica...

A inspiração foi lógica —

Entendi como ‘screver!

A Orquestra soava inteira,

Uma total "quebradeira" —

Difícil de descrever!

"Poco a poco" foi crescendo

O qu’eu ia escrevendo —

Na mor seriedade!...

Mui "allegro" em cada trecho,

Sincronizava o desfecho...

Com mais sonoridade.

O Maquinista — mui moço...

Deslizava em "più mosso" —

O trem Maria Fumaça.

Num dueto... Solfejava

U’a melodia em oitava,

"Dolce" e cheia de graça.

Vibrava o tom em Ré menor,

Co’a sonoridade — Tenor...

Às vezes — Barítono!

Entrelacei todos os sons

Diatônicos e semitons —

Numa manhã d’Outono.

Já estava chegando o Inverno...

Quando mudei de caderno —

Pr’aumentar a percussão.

Adicionei mais Tímpano —

P’ra executar co’o Piano,

E ‘screvi u’a progressão.

De repente, veio um breque,

Por causa d’um calhambeque —

Cruzando a linha do trem.

Foi um enorme sacolejo,

Que assustou o sertanejo —

Lá naquela passagem.

II

Máquinas em movimento

Contrário — deslumbramento

No eco das cruzadas.

Quando estrugiam os tambores...

Lembravam os compositores —

Nas grades sincopadas.

Belo comboio — tão longo...

Dançava como um fandango,

A balançar co’o vento.

Estava em terra espanhola,

Quando vinha a ventarola —

Dos trens no cruzamento.

Passavam tão velozmente —

Que o som soava na mente,

Um zunir d’arrepiar.

Soava um belo harmônico...

Pena que foi lacônico,

E não deu p’ra copiar.

III

Assim que saí da Espanha...,

Surgiu u’a linda montanha,

E havia um grupamento.

Um barulho ensurdecedor...

Dos cavalos sobre o pendor —

Num festival sangrento.

Nesse instante, vi os Índios

A defender seus princípios —

Na invasão da terra.

As mulheres com seus filhos,

Outros na beira dos trilhos,

U’a verdadeira guerra!

Soldados co’as suas bandeiras,

Saltavam sobre as caldeiras...

Num gesto ameaçador.

Na tribo, os grandes guerreiros,

Dão sinais pros estrangeiros —

Que não são da mesma cor.

IV

Nos grandes montes gelados...

Uns véus de noiva nos lados —

A encher de alegria...

Inda naquele momento...

Que ‘stava em deslizamento —

Parecia u’a sangria.

Nas cordilheiras de gelo...

Tratei de usar um capelo —

Para não me resfriar.

O frio era muito intenso,

Chegava a ficar mui tenso,

Mas ficava a inebriar.

V

Quando vi — o país Brasil...

Verde, amarelo, azul anil...

Num alegre festival...

Grandes escolas de samba,

No batuque da macumba —

Majestoso carnaval.

Orixá, Saravá, Xangô...

Baiana, pisa na “fulô”...

Estandarte e bonecos.

Na barrica — o som do tambor,

Surdo, tamborim e agogô...

Pandeiro e reco-recos...

Rei Momo, co’as suas mulatas...

Nos carros co’os diplomatas,

A luzir e a perfilar.

Passistas, porta-bandeira,

Mestre-sala e capoeira —

N’avenida a desfilar.

VI

Passando pela África...

Olhei uma jaguatirica

Na beira d’uma cascata.

Fiquei tão maravilhado

Com aquele animal malhado...

Que se embrenhou na mata.

Opa! Calma — Elefantes!...

Avistei dois brutamontes

Com suas orelhas longas...

Eram a mãe e seu filhote,

Que estavam em convescote,

Numa daquelas bandas.

Transformei em acalento,

E adagio no andamento —

U’a melodia sutil.

Cantava em modo dórico...

Um ingênuo canto lírico,

Àquele bebê gentil.

VII

Logo ao sair da África...

Dei de frente co’a fábrica,

E saía um caminhão...

Já estava em Nova Iorque,

Quando houve um entrechoque —

U’a tremenda colisão.

Mudei a escala harmônica —

Toda p’ra hexafônica —

Inspirado em Debussy.

Tensão n’atonalidade —

Contraponto e austeridade —

Movimento em frenesi.

Estava agora em direção

Ao centro — num’apresentação

D’um desfile militar!...

Foi um corre-corre — geral!...

A banda em frente à catedral,

Começou a transitar...

O trem perdera o seu freio,

E a multidão — no passeio...

Sem saber o que fazer.

Mas, o andamento era più,

Por sorte, ninguém se feriu —

P’ra não ter o que dizer.

O desespero foi total!...

O trem intercontinental —

Saía da cidade...

O Maquinista, assertiva,

P’ra toda sua comitiva —

Que fora u’a novidade.

VIII

No deserto do Saara...

Precisou usar máscara,

Para cobrir seu rosto.

O vento soprava a areia...

Que enfraqueceu a correia —

Logo do lado oposto.

O pé de vento balançou

Todo o comboio, e castigou

Seu desenvolvimento.

Estava a cento e cinquenta...

E no meio d’uma tormenta...

Surgiu um vazamento.

Balançou p’ra lá e p’ra cá...

Travou inteira a‘lavanca,

E não tinha o que fazer.

Nesse instante — só restava

Rezar — para que a trava

Pudesse se refazer.

Se ao menos tivesse freio...

Não teria tanto anseio,

E poderia parar.

Mas, nem podia examinar...

A ventania ia lhe jogar

Para fora e afugentar.

IX

Quando decidi que a história,

Tinha que ser a trajetória —

Em direção ao Japão...

Vi a ponte estremecendo —

De ponta a ponta, e, tremendo

Os trilhos como um cordão.

Um terremoto — assustador!...

O Maquinista e o contador

Sorriam da agitação.

Quando a Maria Fumaça —

Passou!... Quebrou a vidraça,

A corrente e a ignição.

Por sorte, a ponte veio ao chão...

Depois que o trem passou o cordão —

Na rigorosa pressa.

Os destroços alargados,

Mostrando os antepassados,

E o som do sino — cessa!

Por alguns minutos — calou!...

Só se ouviu o som que soou

Da ponte a desmoronar.

Foi um barulho estridente,

Que alertou — toda essa gente —

A cantar p’ra não chorar.

Não era u’a escala eufônica,

E sim, u’a pentatônica...

E o sino volta a soar!

Descompassado — é certo!...

Não era nenhum concerto,

A não ser — p’ra unificar.

Depois que vi a fronteira...

Não passou d’uma zonzeira —

Que jamais imaginei!

Fiquei tão impressionado,

Co’ aquele imenso tornado...

Mas agora, é qu’eu sei!...

Sei o quanto vale a pena,

Ter esperança — na arena,

Enquanto estiver vivo!

A cega e inútil solidão...

Só dilacera o coração —

Num punhal alusivo.

X

Num desfiladeiro extenso,

Fui embrenhando, descenso —

Até o centro da terra!

Ouvia um incomparável

Flagelo, incomensurável —

Na escura e longa serra.

Nos báratros, lá, bem fundo...

Revelava um além-mundo —

De poços escabrosos.

As lavas encobriam os trilhos,

Formando vários fornilhos —

Um tanto lamentosos.

Logo ao entrar na caverna...

Surgiram várias cisternas,

De torrentes lamaçais.

Um clarão incandescente

Abrasava as nossas mentes,

Num tormento, ouvindo os ais.

Um estranho mau cheiro no ar,

Começou a aterrorizar

Todos os passageiros.

Parecia entrar nu’a sauna,

Que ia ‘squentando a noss’alma,

Tal qual um fogareiro!

O abrasamento era ardente...

Chegava a ranger os dentes —

Difícil de suportar.

Mas..., continuei a escrever,

Com o meu suor a derreter —

O qu’eu vira p’ra contar.

Vi todo os meus inimigos —

Lamentando dos castigos —

A chorar de tanta dor.

Nas lágrimas dos errantes —

Saltavam várias serpentes,

E ficavam ao seu redor.

Infinitos gritos d’horror...

Quando vinha o dominador —

Fazer mais um suplício.

As correntes torturavam

Os rebeldes... E os jogavam

Num enorme precipício.

Ó lívidos murmurantes!...

Por que não chorastes antes,

Quando inda eram vivos?...

A assombrosa desventura

Destroça — toda a ossatura...

Dos gestos ofensivos.

XI

Ao longe..... Roda gigante,

Carrosséis, circo e mirante —

Pr’alegrar o coração.

Para erguer — sua bandeira...

Na vida..... De brincadeira —

No parque de diversão!

— "Senhor... O parque vai fechar!..."

Paulo Costa

2009.

Pacco
Enviado por Pacco em 30/05/2009
Reeditado em 25/06/2012
Código do texto: T1622993
Classificação de conteúdo: seguro
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