Eitha, Meus Cumpade, Minhas Cumade, bom dia, boa tarde, boa noite! Ói nóis aqui travêz, móde trazê, procês tudo, mais um causo de pescaria!
E êsse causo de hoje é ispicial, purque, além de sê uma istóra de pescadô, é, tomém, um istóra de amô. Ocês aquerdita qui uma simpres pescaria, dessas ca gente faz quage todo dia, pode mudá compretamente a vida de um cirdadão, assim, duma hora pa ôta? Pois é o qui tá acunteceno cumigo!
Eu sei qui ocês num tá intendeno quage nada dessa minha prosa. Mai, daqui a puquin, ocês vai intendê. Iscuita o causo. Iscuita o causo, qui ocês intende!
E êsse causo de hoje, já qui é uma istóra de amô, eu vô dedicá prum um casal muitho bunito, lá da cidade de Wagner, na Chapada Diamantina, no Istado da Bahia. Esse casal tem a filicidade de vivê junto, tanto o Amô, quanto a Puisia. É o meu Cumpade Onildo Barbosa, grande poeta, e a esposa dele, Minha Cumade Clóris Andrade, qui, in matéra de Puisia, num fica pa tráis!
Antão, procês tudo, e, cum um carinho muito ispecial, pro Meu Cumpade Onildo mais Minha Cumade Clóris, eu vô contá procês
O Causo do Dia Quêu Pesquei Uma Lavadêra!
Cês se acomoda, e prestenção:
Cumpade, já te falei,
Qui pescá é meu distino.
E tu pode aquerditá,
Num sô de andá mintino.
Dos pêxe qui hái no mundo,
Sêje do razo, ô do fundo,
Eu pesco derna minino!
Já pesquei pêxe malino,
Nas água funda do má.
Já pesquei pêxe de ri,
Sem dá conta de contá.
Nos açude, nas lagôa,
Sêje de bêra, ô canôa,
O meu negóço é pescá!
Pru Sinhô num duvidá,
Pru favô, assunta bem:
Vô dizê qui, eu pescano,
Num sobra prá seu ninguém!
Intonce, aqui, eu butei
Os pêxe qui eu já pesquei,
E os nome qui êles tem:
Eu já pesquei curinhém,
Acará, bagre e barbado,
Apará e aruanã,
Bicuda, carpa e dôrado,
Inchôva, piau, cação,
Curvina, landi e carpão,
Tucunaré e linguado!
Eu já pesquei namorado,
Piracanjuba e tainha,
Pêxe ispada e ispadarte,
Cum isca de pescadinha.
Eu já pesquei tubarão,
De barco, frexa e arpão,
E cum tarrafa de linha!
Eu já pesquei riscadinha,
Cioba e curimatã,
Piraíba e piapara,
Jaturana e matrinchã.
Já pesquei maria-da-toca,
Curundéia e cocoroca,
Jundiá e curimã!
Não qui eu sêje o bam-bam-bam,
Mai meu anzó num farsêia!
No má, pesquei cachalote,
Qué um tipo de balêia,
E o cumpade tá lembrado,
Num dia muntho azarado,
Eu pesquei duas serêia!
Prosa cumprida chatêia,
Mais eu vô continuá:
Já pesquei carapicu,
Guaivira e jaguriçá,
Marimbá liso e cascudo,
Óia, eu já pesquei de tudo,
O quê qui farta eu pescá?
Já pesquei inté piruá,
Marlin do branco e do azú,
Samambiquara e sagento,
Piranha, mero e pacu,
Tira-vira e tambaqui,
Roncadô e lambari,
Moréia e piavuçú.
Já pesquei o pêxe-urutu,
Venenôso feito o Cão,
E ôtos, qui num alembro,
Mi adiscurpe a distração.
Mai hôje eu vim ti contá
Um trem qui eu pude pescá,
Qui ninguém num pescô não!
Foi in certa ocasião,
No Ri de Conta, na chêia,
Queu cheguei mais Zé Pinguela,
Cumpanhêro bão de pêia,
Pá pescá uns trêiz piau
Móde levá pá Zé Cráu,
Meu cumpade, qui apricêia!
Butemo as traia na arêia,
Isquêmo logo os anzó,
Iscuiêmo um pôço fundo,
Donde êsse ri faiz um nó
E juguêmo os anzó nágua
E, móde curá as mágua,
Nóis dois tomava uns goró.
Os pêxe tava cum dó,
Num quiria biliscá.
Nóis inté trocô de isca,
Pá vê o trem miorá.
Mai o dia foi passano
E nóis, ali, isperano,
Sem nada pudê pescá.
De umas dez hora pra cá,
Parece inté brincadêra,
Mode piorá as coisa,
Nóis oviu uma baruiêra.
Intonce, vimo chegano,
Falano arto e cantano,
Um bando de lavadêra!
Aí, eu disse: Ô lasquêra!
Agora é qui piorô!
Cê drôme cum barúi dêsse,
E, dispôis, diz qui sonhô!
Meu cumpade, qué sabê?
Apôi, eu digo procê:
A pescaria acabô!
Zé Pinguela, antão, falô:
Paciênça, meu cumpade!
Essas mulé vai imbora,
Dispôis, nóis fica à vontade!
Mai tinha um trem mi contano
Qui dessa missa, Seu Mano,
Nóis num sabia a metade!
Pá lhe dizê a verdade,
Mêia hora num passô.
Derrepente, a gritaria
Das lavadêra omentô:
- Meu Jesuis, cadê Zefinha?
- Tava aqui, indagurinha!
- Será quéla se afogô?
Uma dona assim gritô
E as ôta gritô tomém.
- Zefinha, ondéc cê tá,
Quêu chamo e ocê num vem?
- Santantõe do Jiquiri!
- E se ela caiu no ri,
E foi-se imbora pu Além?
Derrepente, elas invém
Adonde eu tava pescano.
Chegaro, discabelada,
E fôro mi preguntano:
Sêu moço, cê viu Zefinha,
Uma moça moreninha
Qui tava mais nóis, lavano?
Eu disse: Num tava oiano
Ocês, pois tava ocupado.
Quereno pescá meus pêxe
Quêsse baruião danado.
A dona vai discurpá,
Mais adonde qui a môça tá,
Eu num tô bem informado.
- Seu môço,munhto obrigado
Móde sua inducação.
Nóis tamo disisperada,
No calô dessa afrição.
E o sinhô, Deus mi acuda,
Num se méxe, nem ajuda,
E ainda passa sermão?...
Nessa hora, Meu Patrão,
Eu fiquei invergonhado.
A dona falô verdade,
Eu fui foi malinducado.
Pá ricunhecê a curpa,
Eu ia pidi discurpa,
Mai fui, na hora, ataiado.
Meu anzó ficô pesado,
Cum um peso qui eu nuca vi!
Deus do Céu, Vige Maria,
Quê qui será isso aqui?
E sem mai chôro e sem vela,
Cum ajuda de Zé Pinguela,
Eu tirei o trem do ri.
Foi nessa hora qui eu vi
Qui a sorte é mandraçêra!
O trem qui tava pesano,
Invergano a vara intêra,
Num era pêxe nem nada,
Era a mocinha afogada,
Era a Zefa Lavadêra!
Já na hora derradêra,
A moça tava é morreno.
Os pêitho num suspirava,
Nem subino, nem desceno.
Pensei cumigo: E agora?
O quê quêu faço, nessa hora?
Socorro eu fico deveno?
Meu Cumpade, ocê tá veno
Cumé cas coisa acuntece.
Quano eu vi, tava rezano,
Tava fazeno uma prece:
Vó Nacréta, mi oxilêia,
Qui a coisa aqui tá feia,
Sinão, a moça padece!
Apois, ocê num se isquece:
Vó Nacréta é quem me ampara
Nas situação difíce,
A móde eu num quebrá a cara.
Ela chegô e foi falano:
Meu fiin, tô lhe ordenano:
Bêja ela, quéla sara!
Essa órde foi tão crara,
E as palávra, tão pôca,
Qêu num pensei duas vêiz,
Ô, tarvêiz, me deu a lôca:
Garrei a môça deitada
E fiz, na póbe coitada,
Suspiração bôca-a-bôca!
Cumpade, num marquei tôca,
Puxei o á e soprei.
Na bôca da coitadinha,
Munthas vêiz eu suspirei!
Inté qui, in dado momento,
Eu sinti um muvimento
Na môça qui eu bejei.
Graças a Deus! Eu falei,
Minha Vó, muntho obrigado!
A moça ta suspirano,
Selviço tá compretado!
Meu Santo Padinho Ciço,
Tá cumprido o compromisso,
Qui Jesus seje lovado!
A moça tinha acordado,
Tontinha de fazê pena.
Mai, eu, reparano nela,
Vi quéra bela, a morena.
O bêjo, uma gustusura,
Era um manjá de doçura,
E a istatura... piquena.
Pá cumpretá essa cena,
As mãe dela agardiceu.
Muitho obrigado, Seu Moço,
Zefinha quaje morreu.
E, se nun fôsse o sinhô,
Um valente pescadô,
Ela num tava mais eu!
Meus peitho se istremeceu,
Ali, naquele momento.
Pois era a premêra vêiz
Qui eu tinha tal sintimento.
Pá incurtá a istóra,
Eu tô ino é lá, agora,
Móde tratá casamento!
Bateu paxão aqui dento,
Uma paxão verdadêra.
Eu, qui já pesquêi de tudo,
Pescadô a vida intêra,
Já me imagino é casado
Cum meu úrtimo pescado:
A Zefinha Lavadêra!
E quem pensá qui é bestêra,
Qué istóra de pescadô,
É qui nunca teve fé,
E nem nunca aquerditô
In Deus, qui ajuda a gente,
E mostra a nóis, derrepente,
Os caminho do amô!
Num vô sê mais pescadô,
Pru resto da vida intêra.
Já pesquei o qui eu quiria:
Uma bôa companhêra.
E nóis vai vivê juntin,
E ela, cuidân de mim,
Num vai sê mais lavadêra!
Apois, sorte?... É fiticêra!
Eu num vô facilitá.
Lavano rôpa, ela, um dia,
Pode, ôta vêiz, se afogá.
E se ôto pescadô
Pescá ela, Seu Dotô,
Cuma é qui eu vô ficá?
Uma mácna de lavá
Eu já comprei, nas carrêra.
Lavá rôpa?... Só in casa!...
Minha órde é derradêra!
Pois é só cum aligria
Qêu quero lembrá do dia
Quêu pesquei minha lavadêra!
Duvida, Meu Cumpade?... Pois daqui uns dia, se Deus quizé, vai sê ela, Zefinha, minha esposa, qui vai trazê um cafizin quintin, aqui na sala, pra nóis.
Eu quero mandá um abração dos mais carinhôso pro meu Compadre Onildo Barbosa, mais minha Cumade Clóris Andrade, lá na Chapada Diamantina, no Istado da Bahia. E desejá qui êsses dois continue, a vida intêra, a dividi, cum harmonia, o Amô e a Puisia tomém!
E quero, de novo, gardicê ocês tudo, pur visitá o Compadre Lemos Pontocom. E prestenção: amanhã cês vorta, viu? Mais vorta mês, purque amanhã... tem mais!