O Causo do Pêxe-Boi - A Lição de Vó Nacreta

Publicado por: Compadre Lemos
Data: 07/10/2011
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O Causo do Pêxe-Boi - A Lição de Vó Nacreta Poema de Cordel Autor: Compadre Lemos Voz: Compadre Lemos.


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O Causo do Pêxe-Boi
A Lição de Vó Nacreta

 
Ê, gente boa!

Meus cumpade, Minhas Cumade, meus cumpanherin...

Bom dia, boa tarde, boa noite procês tudo! Eu sô o Cumpadre Lemos. E eu tô de vorta, cunforme o prumitido,  móde perguntá ocês uma coisa:

- Acá... Ocês gostáro do Causo da Pescaria Malassombrada?

Ah!.. Gostáro? Antão, se aperpara! Se aperpara, purque hoje eu tô trazeno um causo mais mió ainda! É o Causo do Pêxe-Boi,  A Lição de Vó Nacreta.

Êsse causo eu vô contá, ateneno um pidido do  Cumpade Maicélo, mais a Cumade Vera, lá da Paraíba, purque pidido de amigo, pra mim, é orde!


 Antão, Vamo lá?... É só se fô agora!
 
 
O Causo do Pêxe-Boi
A Lição de Vó Nacreta

Seu Maicélo me pediu
A móde eu vin relatá
Um causo qui aconteceu,
Vô vê se posso alembrá.
Se num tô inganado, foi
O causo do Pêxe-Boi
Qui eu quaje pude pescá!
 
Foi no Córgo Gravatá,
Vale do Jiquitinhonha,
Que eu fui pescá, um dia,
Era eu mai Zé Pamonha.
Cheguemo rompê do dia
O tempo, uma maravía,
Do jitin que a gente sonha!
 
Cara triste, carantonha,
Ali nun tinha vêiz não.
Os passarin já cantava,
Já vinha vino um solão.
No mêi dessa Naturêza
Era tudo só belêza,
Lovado sêje o Sertão!
 
Butemo as traia no chão,
Fizemo uma fuguerinha,
A móde fazê um café
E cumê umas besterinha.
Pá dispois nóis pispiá
As arte do bão pescá
Cum vara, anzol e linha.
 
Poço fundo era o qui tinha
Naquele trêxo de ri.
Iscuiêmo um bão lugá,
Sentemo logo, e dalí,
Juguemo nágua os anzó,
Bem castuado qui só,
Cum isca de lambari.
 
Logo no cumêço eu vi
Qui nun tava fáci não.
Os pêxe num biliscava,
Tava arisco, meu irmão.
Zé Pamonha intristeceu,
Cuchilô e drumeceu,
Roncano, feito um leitão.
 
Mai eu num mulêço a mão
E nem disisto da meta.
Fui pum pôço mais in riba,
Onde a água era mai quéta.
E  joguei a minha isca,
Dizeno: ô ocês bilisca,
Ô eu chamo Vó Nacreta!
 
Minha santa predileta
A Santa dos Pescadô,
Vó Nacreta é um Isprito
Qui sempe me ajudô.
Quano a pesca num vai bem,
A gente chama, ela vem,
Quano se vê, já chegô!
 
Meu apêlo ela iscuitô
E vêi logo mi atendê.
Pu riba dágua vêi vino,
Premitino eu lhe vê.
Antonce, disse pra mim:
Cê me chamô, meu fiin?
O que queu posso fazê?
 
A móde lhe respondê,
Eu disse: Minha Vozinha,
Se ocê é Santa mêrmo,
Bota um pêxe nessa linha.
Eu nun tô cresceno o ôi,
Mai mêrmo que seje um boi,
Eu rasto aqui pá berinha!
 
Ela deu uma rizadinha
E disse: Qui assim seja.
Joga teu anzó de novo,
Fica firme e num moleja,
Qui nessa hora mêrminha,
Na ponta da tua linha,
Tu vai tê o qui deseja!
 
Eu falei: Tu num farseja!
E botei uma isca nova.
Um lambari bem grandão,
Era uma fêma, cas óva.
É agora qui o trem arreta,
Dos pudê de Vó Nacreta
Nóis vamo tirá a prova!
 
Cumpade, nem uma sova,
Sexta-Fêra da Paxão,
Pesa mais do que pesô
A vara, na minha mão.
Pesava mais qui um bonde,
Rumei fôça, num sei onde,
Mais rastei o trem pro chão.
 
Quando butei a visão
No trem qui tinha rastado,
Vi um pêxe muito istranho,
Ali no chão, istirado.
Tinha dois chife e um rabo,
Quato pé, e cos Diabo,
Era o Cão, mal dezenhado!
 
Eu fiquei muitho assustado
Caquela coisa medonha.
A móde pidi socorro,
Eu gritei pra Zé Pamonha:
Acorda, Nêgo, e vem cá,
Vem correno me ajudá
Sinão eu passo vregonha!
 
Os sonho mau qui nóis sonha
Nóis chama de pesadêlo.
Se êsse fosse, era um
Di arripiá os cabêlo.
De rabo, de chife e pata,
Aquela vizage ingrata
Tinha côro e muitho pêlo!
 
Mai, naquele dismantêlo,
Eu gritano e Zé tomém,
O bicho se alevantô
E, sem oiá pá ninguém,
Se sortô-se do anzolin
E nesse Sertão sem fim
Se danô-se, pro Além.
 
Intonce, eu disse: num tem
Terra qui eu num te acho!
Me butei Sertão afora,
No meu cavalo, qui é macho,
Cuma se fosse um vaquêro,
Curri o Brasíl intêro,
Campiano o tal Diacho!
 
Andei pá riba e pá baxo,
Bem dois ano e mais um mêiz.
Chegava perto do bicho,
Ele fugia ôtra vêiz.
Inté qui eu fui disistino,
Ficano triste e mufino
E o finár, conto procêis:
 
Na festa de Santa Inêiz,
No Arraiá da Sodade,
Fui rezá da igreja dela,
Pidi paiz, pu caridade.
E quano eu tava rezano,
Di mim foi se aproximano
Uma grande claridade.
 
Assustado, de verdade,
Mêrmo anssin eu preguntei:
Quem tá drento dessa luiz?
E a resposta escutei:
Carma, home, se aquéta,
Qui é só eu, Vó Nacreta,
Pra ti insiná umas lei.
 
Apois, nocê eu notei
Muitho orgúio e vaidade.
O seu pidido, no rio,
Fartô a simpricidade.
Intonce, eu te dei o boi
E, se fiz assim, só foi
Pra te insiná humirdade.
 
Aprenda essas verdade,
Qui num fai mau a ninguém:
Num peça mai do que pode,
Num quêra mais do qui tem.
Fale cum respeito ao Santo,
Pru quê sinão, seus incanto
Vai ti dirrubá tomém.
 
Há males qui vem pro bem,
Diz o dito populá.
Naquele dia, aprendi
Qui a manêra de falá,
Seje pra Santo ô pra gente,
Faiz a vida deferente,
E põe tudo nos lugá.
 
Antoce, pra terminá
A istóra de cuma foi
Essa quaje pescaria
Qui mi fez abri o ôi,
Eu digo, muitho obrigado
Pru vamicê tê iscuitado
O causo do Pêxe-Boi.

 
 
Eitha, Cumpade Réi!... Pois foi bem desse jeito, que esse causo acunteceu!

Um abraço pu Meu Cumpade Macélo, um abraço pa Minha Cumade Vera e muito obrigado ocês tudo, qui ta visitano o Cumpadre Lemos Pontocom.

E óia!... E amanhã, cês vórta, viu? Cês vorta, que amanhã tem mais!

 
Fraterno abraço,
Compadre Lemos.

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Compadre Lemos
Enviado por Compadre Lemos em 07/10/2011
Reeditado em 10/10/2011
Código do texto: T3263989
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