Na malha fina

Publicado por: Aimberê Engel Macedo
Data: 13/03/2009

Créditos

Autor e Intérprete: Aimberê Engel Macedo
Copyright © 2009. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.

Na malha fina/ com áudio

O suor escorria, abundantemente, pelas faces dos aflitos e amedrontados contribuintes, com os seus olhares inquietos, conjecturando sobre as possíveis consequências de seus "pequenos enganos", para salvarem alguns míseros trocados das garras da Receita Federal, que -gulosa e desalmada- insiste em retira-los de seus vazios bolsos. Cada um que era chamado a prestar contas, através de uma senha préviamente distribuída, olhava para os demais cúmplices, quero dizer, contribuintes, como se estivesse dizendo:

-Já que não tem remédio, remediado está... E, seguia o seu algoz, empurrando para dentro o coração que insistia em sair pela boca, preparando em suas mentes todas as desculpas, possíveis e imaginárias, para aquele provável "descuido" -quase insignificante- que o fizera um pouquinho mais feliz, durante um certo tempo...

- Então, trouxe os recibos originais com as respectivas cópias?

Perguntou para mim a nissei, sansei; eu, sinceramente não sei, mas sei que era a minha digníssima algoz, levantando uma inquisidora e desconfiada sobrancelha...

Sentindo-me um perfeito ladrãozinho de galinhas despejei um caminhão de papéis sobre sua mesa, desejando impressioná-la. Ela, examinando-me, olhou displicentemente os recibos e me disse:

- Mas são todos do mesmo valor? Sim, respondi, tentando parecer o mais natural possível... Ela examinou-me novamente como se pudesse ler os pensamentos e, toda magnânima, me disse:

- Vou liberar a sua restituição.

Sem desviar os olhos dos meus, permaneceu assim por mais um tempo, até que entendi que ela estava esperando por um agradecimento, mas o meu orgulho de cidadão não me permitiu fazê-lo, pois, não sei como, estava eu -milagrosamente- em dia com a aquela terrível instituição, embora a nissei tentasse com o seu olhar, convencer-me do contrário.

No dia que eu morrer e for para o céu acompanhado de todas as honras possíveis, pois, estando dentista durante essa vida, eu sou, sem sombra de dúvida, merecedor dessa recompensa, senão vejamos:

Trabalho num lugar escuro, apertado, de difícil acesso; onde a saliva está permanentemente dificultando a minha visão, isso sem contar o sangue que sempre dá um jeito de aparecer para dificultar ainda mais as coisas.

Além disso, existe um grande complicador: O medo dos pacientes, levando-os a reclamar de quase tudo, a saber: Da anestesia, da falta da anestesia, da anestesia que não pegou, do dedo que está esticando a sua boca, demasiadamente; do sugador de saliva, do espelho, e, principalmente, da perigosíssima e barulhenta broca.

Os pacientes ainda adquirem com o tempo, o mau hábito de fecharem a boca em horas indevidas e, em muitas delas, mordendo o dedo do pobre do dentista.

Sem contar a eterna choradeira na hora que o paciente recebe o orçamento, soltando sempre a mesma pergunta exclamatória: Tudo isso, doutor?!

Mas, como eu ia dizendo, já acomodado lá no céu, São Pedro irá -fatalmente- me perguntar sobre os pecados praticados por mim lá na Terra, e eu terei o máximo prazer em responder que os meus erros -se se pode chamar a isso de erros- se resumem somente a pequenos enganos cometidos contra a nossa impiedosa e desconfiada Receita Federal...

Aimberê Engel Macedo
Enviado por Aimberê Engel Macedo em 12/03/2009
Reeditado em 15/04/2009
Código do texto: T1482631
Copyright © 2009. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.