Discurso de posse na Alane
Colegas, amigos, senhoras, senhores,
o dia é chegado da posse na Alane,
porque fui eleito, porém não me ufane
se estava sozinho no pleito. E nas cores
que agora carrego na escrita, nas flores
que eu sei deveria trazer para ornar,
eu digo que aqui também é meu lugar,
outra casa que agora também abre as portas,
as almas e as mãos, e não são letras mortas
o que ora apresento; são gotas no mar.
São tão pequeninas as gotas, talvez,
diante do imenso que foi Waldimir
(alguns usam “e”, mas o dele é com “i”),
Waldimir Maia Leite, um cronista que fez
do Diário seu lar, quando usou altivez
nos cinquenta verões a escrever sem parar,
pois foi jornalista, sem sombra, sem par,
e pôs tudo em livro – seu “Terra Molhada” –,
diante do quê sei dizer quase nada
e jogo as palavras nas ondas do mar.
Mas devo falar sobre quem nada sei,
e da doze é patrono – ou melhor: patronesse –
e, se tem seu lugar, com certeza merece,
pois foi pianista e honrou sua grei,
concertista de escol, professora – eu direi –
que usou seu saber no mister de ensinar
e fez o seu nome em jornais se estampar:
Nísia Nobre de Almeida, a quem presto homenagem.
São nomes que ficam – eu sou só passagem
e volto a dizer: sou só gota no mar.
Mas eis que eu cheguei, e a passagem começa
na posse que eu quis sem qualquer cerimônia,
sem festas, sem luxo, sem noites de insônia,
sem sedas rasgadas, é assim que interessa:
sem muita palavra ou discurso que impeça
essa simplicidade que, até no trajar,
me faz mais humano, feliz, a vibrar
com todos vocês que me acolhem aqui,
depois de chorar o imortal Waldimir,
que agora navega feliz, noutro mar.
Estou com vocês neste dia feliz.
Dirijo-me a todos aqui, na plateia,
mas peço licença, que o Grito da Véia
me chama mais tarde e a vontade me diz
para não demorar num discurso que eu quis
em versos fazer, pois não sei discursar,
não tenho oratória que faça brilhar,
mas vou me esbaldar, como porta-estandarte,
com frevo nos pés e talvez sem muit’arte,
pois sou como a água: só corro pro mar.
Permitam, no entanto, que eu fale de mim,
e eu creio que agora isso eu posso fazer.
Me dizem poeta, e eu assim quero crer,
sem meias palavras, sem bom ou ruim,
sem chove não molha, com fala chinfrim,
mas dizem que eu sou, e eu não vou me furtar.
Vocês vão saber quem agora é seu par.
Eu sou sonetista, talvez glosador,
e às vezes a trova também posso pôr
no branco papel. É meu mundo, é meu mar.
Num ritmo forte, os poemas que eu faço
talvez sejam tudo que eu saiba fazer
com lápis, papel e teclado. O prazer
que neles eu sinto sem muito embaraço
faz parte da vida, do amor sem cansaço,
faz parte de mim, meu viver, meu sonhar,
os amores que eu tive ou terei, é meu ar
que agora eu respiro e hoje mostro a vocês,
que escutam calados e esperam, talvez,
afinal, que eu termine falando de mar.
Por isso, eu concluo um discurso de posse
sem muito de mim pra dizer aos senhores
– senhoras também –, sem mostrar mais valores,
porque não os tenho. Pequenos, são pó
– se permitem dizer – sem fermento que engrosse
e apareçam ao mundo de modo exemplar.
Não sou nada disso. Eu só sei poetar,
fazendo sonetos que falam do mundo,
que falam de mim, e nos versos me inundo,
mostrando meu imo nas águas do mar.
Por fim, agradeço o empenho, a vontade
de todos vocês em fazer-me imortal.
Não sei se isso é bom, mas não sei se isso é mau
e me entrego, feliz e total, de verdade,
pois sou da Alane, afinal, e não há
de existir nada além que me faça calar,
me embote os sentidos, me impeça sonhar,
não há nada mais que atenue esse grito
que agora eu darei para o céu, o infinito,
findando um galope na beira do mar.