Voltando pra casa
Nosso pequeno pai – pequeno em tamanho – nos deixou algum tempo atrás, depois de um período de grande sofrimento. Mama e ele foram casados por sessenta e dois anos e nunca se apartaram, por um dia sequer, desde que se casaram. Falar dos dois seria contar a minha vida inteira e isso é assunto pra outro dia...
Quando papai nos deixou mostrou a grandeza de sua alma e sua meiguice na despedida com mais de quinhentos amigos presentes. Nossa mama sentiu-se tão sozinha que passou a dormir na casa de minha irmã mais velha, a poucos metros da casa onde viveu tantos anos.
O tempo foi passando e nada fazia minha mãe mudar de idéia. Seis da tarde, pegava sua sacolinha com uma camisola, os remédios e o terço e lá ia ela pra casa da Nega. De manhã cedinho acordava e dizia:
- Nega, me tô indo pra casa. Di noiti eu volto!
Este ritual foi mantido por quase dois anos.
A gente ficava se perguntando porque nossa mãe estava agindo dessa forma... afinal tanta gente fica viúva e continua a vida na casa em que sempre viveu. Nossa mãe, não. Qualquer oportunidade que tinha, caía fora de casa. Inventava doenças, dores de cabeça – algumas até reais – fazia de tudo pra não permanecer na casa de quatro quartos, duas cozinhas, fogão de lenha, sala de televisão com uma cadeira de papai, uma bíblia lindíssima aberta num canto da grande sala de visitas, a coleção de xícaras em miniaturas, adquiridas ao longo de sessenta anos de casamento, dezenas de fotos em molduras dos filhos, netos e bisnetos e tantas outras coisas queridas.
Sua única irmã é viúva também e assume seu cantinho entre bordados e pequenos passeios na cidadezinha de imigrantes italianos... por que a mama não podia ser como todo mundo? Não falo que ela incomoda não! Mama é uma mulher bonita e muito agradável. Tem algumas manias, mas nada que não possa ser sublimado.
E a mamãe batendo pé! A vida tem hora para tudo. A Neguinha, que a acolhia todas as noites com sopas de “taiadella” – macarrão feito em casa bem fininho – um dia ficou doente e não podia mais receber a mamãe na casa dela. Mamãe ficou em estado deplorável em parar de fazer aquilo que lhe dava alento todas as noites. Meus irmãos e irmã revezavam-se em recebê-la em suas casas.
Outro dia mamãe disse que não ia mais pra casa de nenhum dos filhos para dormir:
- Me volto pra casa, onde o meu “véio” me espera.
Bem-Vinda de volta, Mamãe...