O velho de chapéu
Um dia tudo acaba. E nós mesmos somos os responsáveis por essa eterna vida de dor em que vivemos.
O sorriso de centenas de ricos é uma máscara que esconde o triste vazio de suas futilidades. Objetos de ostentação material ou drogas que os entretenham são, na verdade, pequenos aprestos contra a paz de espírito: sempre geram desconforto, insegurança e perdularismo. Conseqüências do mau uso da riqueza.
As luzes ofuscantes das festas trazem consigo a ressaca de um defrontamento amargo com a realidade, e é no dia seguinte que você dá valor à paz, mas logo se esquece e volta a cometer os mesmos erros.
Foi nessa atmosfera que, numa manhã nublada e vazia, eu me defrontei com o velho de chapéu.
Sim, o velho de chapéu...
Ele trabalhava por anos como carroceiro naquela cidade de mudanças. Transportando cargas diversas dos pacatos vizinhos em sua carroça puxada por seu simpático e bonito cavalo marrom, o velho garantia o seu sustento diário, passeando pela verdejante cidade cortada por um rio cheio de peixes.
A carroça, ele mesmo fez, e tinha orgulho de sua obra. Não que precisasse trabalhar, mas sim porque apreciava a liberdade de andar em sua carroça, sem ter um patrão para servir. Além disso, o velho de chapéu tinha sua própria terra, um sítio onde cultivava sua vida saudável.
Mas naquela manhã ele não parecia saudável. De um dia para o outro, perdeu todos os seus clientes. Amigos que, com o passar do tempo, sumiram misteriosamente.
A cidade provinciana evoluiu muito rápido. Centenas de árvores foram derrubadas, e no lugar delas, prédios e grandes casas brotaram do solo como um milagre da urbanização. O rio já não tem mais peixes: nele desembocam esgotos (solução política de porcos cidadãos). E o velho de chapéu, agora, está sentado na calçada (onde foi parar sua pedra?), esperando por um cliente que nunca mais virá, acompanhado de seu cavalo já surrado pelo tédio e pela poluição.
Um caminhão de garis passa recolhendo o lixo, e as pessoas arrumadas para o trabalho passam pelo velho apressadas, correndo para os ônibus lotados em direção ao centro da cidade, estressadas com o trânsito caótico e a falta de tempo livre. E também com o chefe de seus empregos. Chefe... palavra que por si só já é uma agressão contra o trabalhador, que abre mão de seu tempo, conforto e liberdade. Três coisas inteiramente suas que passarão a ter um novo dono: o seu chefe!
A impressão causada pelo velho de chapéu, daquele jeito, sentado na calçada, para essas pessoas que se comportam como animais mecânicos, é a de que ele não passa de um simples mendigo.
O velho olha para o céu na esperança de conversar com Deus e obter uma resposta, e um helicóptero passa trazendo o típico barulho que contribuiu para o assassinato da paz da cidade.
Ele pergunta para si mesmo: "O que aconteceu?"
Foi até uma loja ali perto e pediu água.
De repente, ouviu homens gritando e gargalhando como se fossem ogros imbecis, enquanto jogavam latas vazias de cerveja na rua como se o lugar fosse um lixo a céu aberto.
Eram vândalos da casta nobre, que estacionavam seus carros de luxo próximo ao bar. Mais latas de cerveja gelada nas mãos, e o som alto do carro tocando: "Que tiro foi esse!".
E o velho pensou... "Essa cidade era tão rica. E agora está tão vazia quanto o cérebro de seus novos habitantes".