Entro no apartamento que me é indicado e logo me vem alguém com uma roupa esquisita e me entrega. Diz que é para eu vestir ao contrário apenas aquela roupinha curta e sem graça. Eu faço assim como mandado.
Sou instado a deitar na cama.
Depois me chega um motorista com um veículo esquisito, e eu passo, deitado, da cama para o veículo, e fico deitado ali. Levantam-se duas grades laterais, e o veículo sai, em disparada, corredor afora. Eu só vejo as luzes passando sobre minha cabeça, enquanto ouço uma distante despedida de minha mulher:
- Ciao, Marido! Boa sorte!
O veículo expresso chega à estação terminal. Eu passo – deitado – dele para uma mesa estreita e me acomodo com dificuldade nela.
Chega outra pessoa e me põe sob as costas duas táboas, transformando a mesa em cruz.
Um participante do ato em que vou ser o protagonista inconsciente se aproxima, se identifica como o anestesista e me diz que eu apenas vou dormir.
E só.
Já me sinto em um túnel escuro a me dirigir para uma estação pouco movimentada – não sei se de trem ou de metrô, mas cheguei quase a reconhecer a Estação Joana Bezerra - e alguns desses veículos vão passando, quase que silenciosamente.
Então, começo a ouvir muita gente conversando. Esforço-me para ouvir o que falam. Sei que estão falando, e muito! Mas não consigo compreender uma única palavra do que dizem.
Chegam mais próximo. Distingo algumas silhuetas, mas não sei quem são. Eles continuam conversando, e eu noto que a conversa diz respeito a mim.
Nesse instante, sinto minha parede abdominal ser espetada, puxada e empurrada, mas não me incomodo, porque não sinto dor e sei – [in]conscientemente – que estão realizando uma operação e eu sou o alvo de toda a conversa.
E os repuxões continuam, as conversas também, e começo a desconfiar do que falam, embora ainda não entenda as frases completamente.
Então, ouço:
- Pronto. Terminou.
A partir de então, só sinto um barulho familiar de um rolo de esparadrapo sendo rasgado e utilizado, e suas faixas sendo coladas em meu ventre.
E depois vem a ordem:
- Acorde, Paulo!
Abro os olhos e vejo uma barreira de tecido a me separar do resto do ambiente.
Nesse exato momento, entendi que a cirurgia já havia terminado. E eu, como um tolo que participa de uma encenação sem saber ao certo o que estava fazendo, começo a esboçar um sorriso e dar graças a Deus.
Consumatum est.
Amém.
04/07/2013