Agora, já posso dizer: “Do alto dessa calva meio século vos contempla!” E que dura jornada foi essa! Gostaria de poder relatar uma biografia cheia de realizações e grandes sucessos, todavia, fui contemplado com uma vida fadada à banalidade do anonimato e à mesmice de sobreviver aos trancos e barrancos. De heróico – se é que assim se pode qualificar – destaco que resisti, nem sempre bravamente, às diversas vezes em que cogitei desistir de tudo; e foram muitas, eu garanto! Talvez fosse hora de fazer um balanço de tudo que já passou, porém, entre ganhos e perdas o saldo não é lá algo que justifique tamanho esforço. Ganhei muito, perdi quase na mesma proporção e, um pelo outro, até que não há porque me queixar. Minha maior riqueza, sem dúvida, são meus filhos – inclusive um postiço, que agreguei de bom grado à trupe. Não posso deixar de agradecer, também, o fato de que, mesmo tardiamente, já em pleno curso da meia-idade, tenha conhecido, enfim, um amor sincero e desinteressado. Além disso, os valores e princípios vindos dos exemplos de meu saudoso pai e a bênção de, até hoje, desfrutar de um carinho mãe não são meros detalhes, mas significativas benesses que tornaram tudo possível. Quanto a amigos, por pouquíssimos que sejam, os que tenho são bem melhores do que pareço merecer – e ainda bem que existem. Então, por que falar de superação, volta por cima ou resiliência? Isso só daria ensejo a ficar ruminando as passagens pouco gratificantes desta existência. Como todo mundo, enfrentei tragédias e decepções e não há favor nenhum em ter suplantado seja lá o que for. Sobreviver e acreditar que isso sempre vale a pena é o mais próximo de felicidade que qualquer um pode desejar. Por fim, alegrias e prazeres conheci e desfrutei o quanto pude. Ah! Estes meus cinquenta anos valeram por mil. Não conto que haja outro tanto desse pela frente, mas aguardo com entusiasmo juvenil todo novo dia que desponta. A esta altura da vida, já não sou partidário de viver cada dia como se fosse o último – até porque me falta o vigor para tanto – mas, sim, como se fosse a melhor oportunidade de estar vivo. Aprendi a ver Deus nos sorrisos de quem amo e no alívio daqueles a quem eu consiga acudir. Que mais alguém pode querer?