O JOGADOR DE XADREZ
Em 1959 começou a funcionar o Ginásio em Torrinha e eu fazia parte da primeira turma de alunos. As aulas eram à noite.
O meu professor de matemática era de Brotas.Não me lembro do seu nome , mas me recordo perfeitamente do seu jeito e modo de falar.
Quando terminavam as aulas, a gente descia junto do Ginásio.Ele ia para o Clube da Cidade esperar o horário do trem e eu, como a minha casa ficava pertinho , ia também para lhe fazer companhia.
Nesse intervalo do término das aulas até o trem, ele começou a me ensinar jogar xadrez.
Mais tarde vim para São Paulo e meu pai me deu de presente um jogo muito lindo no Natal.
Alguns anos depois, na firma que eu trabalhava,na Rua Barão de Itapetininga, resolveram fazer Campeonatos anuais.Ganhei os três que foram feitos.
Comecei então, a freqüentar o Clube de Xadrez de São Paulo na Rua Araújo e conhecer as "feras" que jogavam lá.
Participei de partidas simultâneas, com grandes mestres, russos, argentinos, brasileiros e de campeonatos internos. Ganhei algumas perdi outras.
Mas a partida que mais me impressionou até hoje, foi uma noite que a gente ficava procurando com quem jogar e tinha um senhor sentado sozinho em uma das mesas, arrumando as peças. Eu me aproximei, fiquei olhando e ele me convidou para jogar.
Jogamos algumas partidas.Não conseguia ganhar nenhuma.Em uma delas, percebi que perto do seu punho havia alguns números marcados, como aqueles que se vem em filmes, do pessoal que fizeram parte dos campos de concentração.
Chegou um momento em que não consegui segurar mais minha curiosidade e perguntei-lhe a origem daqueles números.
"Ah! Você quer saber sobre isso? Estive em um campo de concentração na 2ª guerra, junto com a minha família."
Fez-se uma pausa. Até as nossas posições nas cadeiras mudaram, encostamos mais as costas e fixamos-nos mais nos olhos um do outro esquecendo o tabuleiro.
"Esse jogo salvou a minha vida, enquanto eu ia vendo os outros sumirem, inclusive membros da minha família."
Outra pausa. Nova mudança nas cadeiras.
"O Comandante do campo gostava de jogar ,mais jogava muito mal.Eu podia ganhar dele com muita facilidade, mas se ganhasse todas ele mandaria me matar com certeza.Se perdesse todas, também não ia querer jogar mais comigo.Assim fui dosando as partidas, uma hora ganhava outra perdia e ele foi me deixando vivo."
Foi esse senhor, o jogador de xadrez que mais me impressionou até hoje.
Chegamos a jogar mais, não só naquele dia como em outros. Nunca consegui ganhar.Ele já não precisava perder.Nem dosar as suas partidas.
José Romeu