Pontos e contrapontos Como faço praticamente todos os dias, cruzava eu a Praça da Sé, no Centro de São Paulo, para ter acesso às escadas rolantes na entrada do metrô quando, compelido por aquela urgência que caracteriza todo paulistano, resolvi parar e comer alguma coisa qualquer por ali esmo. O primeiro mata-fome com que me deparei foi um daqueles churrasquinhos gregos que, por módicos dois reais, dão direito ainda a um suco – sei lá de quê; sei que era amarelo! Ali, de pé, engolindo aquela antítese gastronômica, passei a sondar o ambiente e os circunstantes, ora deixando-me levar pelo que fosse pitoresco, ora pelo que se destacasse no burburinho. Fosse lá o que fosse, se a bizarrice não lhe estivesse inerente o contraste com o que estava à volta lhe conferia tal condição. O local em si é até interessante, não fosse pela infestação do populacho. A imponente e antiga catedral neogótica rouba facilmente a paisagem em face dos insossos elementos decorativos abstratos que se prestaram a servir de adorno à secura imposta à praça, após a construção do metrô. As palmeiras, que pontuam à frente disso, se dispersam diante da imagem ao fundo das fachadas dos antigos prédios no entorno. O espelho d´água, que mais parece um açude de concreto, órfão de chafarizes, reflete um céu quase sempre cinza como que na ânsia de que algum reforço pluvial lhe venha do alto. Há um posto policial onde a segurança da população fica a cargo de valentes servidores que, à míngua de ocorrências delituosas, encaram a ingrata tarefa de servirem como balcão de informações. É comum a presença de feéricos pastores, neo-profetas de Bíblia sob a axila, gritando impropérios contra nós, os pecadores em geral. Uma horda de desocupados e pedintes se amontoa em grupos aqui, ali e acolá, sabe Deus esperando pelo quê. A massa trabalhadora, indo e vindo, tromba e desvia de cavalheiros engravatados e distintas senhoras em seus conjuntinhos monocromáticos de saia e blusa. Pois é! O passado e o presente, a opulência e a miséria, o chique e o brega, o culto e o vulgar, tudo se confunde na miscelânea do lugar. Essa é a cara de São Paulo, que abriga gente vinda de todo canto e a todos acomoda em sua confusa construção social. De repente, vindo não sei de onde, desfilava calmamente em meio à multidão uma esguia e bela morena, num vestido que, apesar de simples, valorizava suas formas no embalo dos movimentos. Pensei comigo: “Eis aí algo que nada tem de bizarro!” Ao passar por mim, ela olhou-me justo quando eu abocanhava meu grotesco almoço e, com um indisfarçável asco, virou o rosto e apertou o passo. Percebi, então, que o contraponto de seu “sex appeal” era eu! Certamente, pouca coisa seria mais bizarra do que isso.