Estando em plena Semana Santa, cristãos em todo mundo irão relembrar as passagens dramáticas que levaram Jesus à morte na cruz e, depois, à ressurreição. Entre a Sexta-feira da Paixão e o Domingo de Páscoa, contudo, há o Sábado de Aleluia, momento da tradicional malhação de Judas.
Convenhamos que poucas atitudes são menos cristãs do que essa barbárie que é a malhação de Judas. É uma atividade que estimula uma vingança violenta, mesmo que simbólica, refutando o que de mais sublime Cristo nos ensinou.
Haverá sempre quem justifique isso como uma reação à sordidez da perfídia, já que Judas simboliza a traição. Porém, não vejo que ele, sozinho, merecesse se transformar nesse verdadeiro bode expiatório que se tornou. Há várias versões históricas que apresentam um cenário que demonstra que Judas não teria sido realmente motivado pela avareza, que o teria tentado a cometer tamanha canalhice por reles trinta moedas. Contudo, não serei eu a abonar ou desqualificar qualquer dessas versões, estejam consagradas ou não em textos bíblicos.
Só que fico aqui pensando porque ninguém se lembra dos membros do Sinédrio, a quem Judas teria entregue o Cristo. Ainda, porque não há nenhuma alusão aos romanos e seu opressor império que favorecia à conturbada situação geopolítica na Judéia, na ocasião. Por fim, pouco se diz sobre o cruel Herodes ou o sortudo Barrabás e, pior, muito superficial é a menção a Pilatos, que só tem alguma evidência maior porque ficou popularizado no Credo.
Aliás, essa é uma interessante questão: diz o Credo, sobre a história de Jesus, que ele “padeceu sob Pôncio Pilatos” e não sublinha que foi sordidamente traído por Judas. Deu-se mais destaque a quem, tendo plenas condições de reverter a situação, simplesmente se omitiu.
Sim! É bem verdade que este mundo está repleto de vários Judas; alguns eventuais, outros reincidentes e muitos incorrigíveis. Não raramente, a esmagadora maioria das pessoas se alinha, mesmo, é com Barrabás, porque se crêem salvos de seus deslizes pelo martírio e sacrifício de outrem. Porém, muito mais numerosa é a legião de incontáveis Pilatos, que percebem a gravidade das coisas, mas continuam sistematicamente lavando as mãos.
É fácil, muito fácil, participar da malhação de qualquer Judas. Difícil é fazer alguma coisa que de fato represente uma legítima atitude cristã. Depois de dois mil anos, continuamos nós, aqui, sendo meros coadjuvantes da Paixão de Cristo que, muito certamente, preferiria ser seguido pelo que exemplificou em vida e não meramente lembrado pelo martírio que o levou à cruz.