Demoravam a chegar os sábados de visita, no hospital que era proibido pelos médicos ser chamado de hospício. Ok, então não era hospício, era uma Clínica. Muito boa, para os padrões públicos. Mas isso não vem ao caso. O importante eram os Sábados! Dias de visita! Dia das companheiras de quarto lhe perguntarem: Serginho vem??!! Vem! Serginho sempre vinha! Ela estava ali, tão longe de casa, naquela Clínica, tentando com muita terapia e muito remédio, assimilar o que sozinha não conseguira: a separação, a dor, o ter que viver sem ele. E estava, aos poucos, conseguindo, até por que todos os sábados podia encostar o rosto naquele ombro, podia falar coisas engraçadas e ele rir e podiam ficar de mãos dadas, sentados num banco qualquer da sala de visitas. Ah, Serginho era sua cura, pensava ela! Lá pela quarta-feira o coração começava a ficar aflito. Ô dia para não acabar nunca! E ainda tinha a quinta, tinha a sexta... Sexta! Sexta já estava começando a ficar bom. As luzes do corredor, a entrada dos enfermeiros toda hora para administrar remédios, dificultavam o sono. Mas para ela o que fazia o sono nem aparecer é que amanhã seria Sábado!!! E aí, amanhã tem jogo, Serginho vem???? Perguntavam em tom de desafio as colegas de quarto... É claro que vem, e depois vai ao jogo, quem me dera fugir daqui e ir também! Respondia, querendo iludir a si mesma que o passado não tinha passado... que o futebol, aquele estádio era ainda um prazer vivido a dois. E aquilo ali não era hospício... Ah, sábado!!! Saía alegre pelo corredor, passava pela sala de tv, agitada, inquieta. De vez em quando, alguém e a famosa pergunta: e aí, Serginho vem?! Quanta coisa lhe passava pela cabeça. Saber que dali a pouco receberia aquele abraço, que foi tão corriqueiro, olharia aqueles olhos... Ah, Serginho logo estaria ali!! Enfim, 14 h! Por algum motivo que até hoje não entende, não gostava de esperá-lo junto aos outros internos, direto na sala de visitas. Preferia aguardar no quarto a enfermeira vir quase correndo e dizer: vamos lá mulher, o homem tá aí! Ah, imediatamente seu rosto fervia, o mundo sumia sob seus pés e ela disparava. Do final do corredor já podia vê-lo em pé, junto à porta. Ela então se atirava naqueles braços, sem palavras. E ficavam abraçados por um longo tempo. Sorriam, procuravam um banquinho vago, sentavam, riam, se olhavam, e ele lhe entregava a indefectível sacolinha. Dentro, duas garrafinhas de fanta, bombons, bolachas recheadas e a Veja da semana anterior. Ela então comentava como ele estava lindo com a camiseta vermelha do time e ele dizia que queria que fossem juntos. Segurava sua mão, em carícias tão conhecidas, tocava seu rosto, seus cabelos, comentava o quanto ela estava melhorando, perguntava se o radinho para ouvir o jogo estava ok... Estava! 15 h, tocava a triste sineta e a enfermeira alertava: fim! Abraçavam-se de novo longamente, davam-se sorrisos, desejavam mútua sorte para o time, as recomendações de sempre, qualquer coisa me ligas (vale, me leva daqui contigo? Não valia!). E lá ia Serginho sob o olhar das pessoas em volta, que percebiam que ao cruzar a porta ele não deixava nada dela por ali, só um vulto, um espectro. O resto fora com ele. Assim corria a vida no hospício, ops... Um santo médico um dia permitiu que se encontrassem a sós numa saleta, que logo ficaria pequena para tantos beijos, beijos ardentes, beijos vorazes. Mais um sábado na saleta e a volta comportada para a sala de visitas. E foram dois meses. Como termina essa história? Ela ficou boa e voltou para casa. Aliás ele a trouxe. Seis horas dirigindo, segurando suas mãos como sempre fez, parada numa barreira na estrada e mais uma seção interminável de beijos. Chegada em casa, cafezinho, palavras doces no portão e lá foi ele, para sua terra, para sua vida sem ela. Ela, teve que reaprender tudo. Ele ainda pode ser visto, mas só em fotografias abraçado a sua nova mulher, num álbum do Orkut.