Pondo fim ao desperdício
Ao longo da vida, raramente tive a impressão de que estive no começo ou no meio dela. Por jovem que fosse, ou mesmo ao chegar à meia idade, estranhamente sempre tive uma sensação de que beirava o fim. Não por outro motivo, em tudo e com todos com que me envolvi o fiz com muita intensidade e, ainda, com uma ânsia própria de quem quer chegar logo, num sentido de urgência que, em várias oportunidades, destoou das circunstâncias à minha volta.
Mas o tempo vem passando e o tal do fim não veio e, pelo que indica minha experiência, a despeito da persistente impressão de que o fechar das cortinas é iminente, não parece que irá chegar tão já. Porém, isso ninguém sabe, tampouco eu. Dizem que o futuro a Deus pertence, apesar de que não vejo porque Ele haveria de reservá-lo de forma tão egoísta para si. O passado quase chega a não ser de ninguém; só de quem teime em fincar o pé em lembranças, não deixando as memórias como deveriam ser, só para consulta, mas indevidamente consumindo-as como artigo de primeira e essencial necessidade. O presente, entretanto, é o único tempo que nos pertence, porque o agora é que dá ensejo a que se faça realmente alguma coisa. Querer é poder, mas se o querer não tem um tempo de ser, o poder, de outra forma, só floresce e surte efeito no instante presente.
Ocorre, todavia, que esse sentido de urgência que me é peculiar, provocou um mau uso de muitos agoras que já se passaram. Pequei, sim, pelo desperdício. Desperdicei oportunidades que pareceram depender de uma maturação que jamais quis esperar e, também, desperdicei vínculos e relações, por descartar quem não demonstrasse indícios de que pudesse evoluir a tempo de que isso fosse válido, útil ou proveitoso. Contudo, o pior dos desperdícios – o mais nocivo dentre eles – decorreu justamente do mau trato de um bem maior que eu deveria ter preservado e que, invariavelmente, deixei de inserir no rol de prioridades que o tal sentido de urgência me ditou.
Passei a vida desperdiçando a mim mesmo; e, pior, permitindo que os outros me desperdiçassem. No afã de acudir a tudo e a todos acabei, quase sempre, me deixando de lado e, quando cometi a heresia de pôr à frente algum interesse meu, fui acusado de ser egoísta pelos mal acostumados que naturalmente arregimentei à minha volta. Além disso, minha solicitude e preocupação sempre foram portas abertas para que quem quisesse pudesse entrar, pegar o que lhe interessasse, não colocar nada em troca e, ainda, deixar um belo tumulto para trás.
O resultado disso tudo é o que, enfim, sobrou de mim. No meio de escombros e ruínas do que um dia já fui, ou quis ser, há muita mágoa e decepção soterrando uma esperança que tenta manter-se viva. Sim, é bem verdade que não sobrou pedra sobre pedra, mas, há de se convir, que não faltam pedras por todo lado e que permitem a reconstrução de alguma coisa, ainda.
Minha boa vontade é uma fonte de energia renovável, porém, o tempo desta limitada vida não é inesgotável e, assim, cabe a mim preservá-lo e utilizá-lo numa sequência de novos agoras que não deem margem a tanto desperdício. De ora em diante, estou atento às oportunidades que passam por mim e não estou disposto a descartar mais ninguém. Entretanto, no topo da lista de prioridades estão as verdadeiras urgências que são minhas e, no raio onde se encontram as poucas benesses que me tornam útil só é permitido o ingresso de quem saiba respeitar a ordem posta e retribuir à altura o valor do que pretenda tomar.
Basta de desperdício!
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