Porque tornei-me um eremita


Porque tornei-me um eremita


 
          Talvez nem seja muito apropriado que eu me qualifique, realmente, como um ermitão, mas vivo, sim, o mais isolado que posso do convívio social. Porém, não evito cumprir minhas obrigações e suprir minhas necessidades; tampouco deixo de  interagir com o resto do mundo, naquilo que eu entenda que possa contribuir positivamente de alguma maneira.

          Contudo, creio que, por ter sido eu contemplado com doses pouco razoáveis da falsidade e da mediocridade humana, fiquei bastante arredio.  Cada dia mais, este mundo abre fronteiras para a livre manifestação das pessoas e autoafirmação das minorias, todavia, o que, em si, tem um inequívoco viés evolucionista, por outro lado, abre as portas para o que de pior existe na natureza humana.


          Cansei-me de ver o amor, a justiça, a solidariedade e a religiosidade serem apresentados como invólucros muito bonitos, mas para embalar interesses pouco éticos por vantagens materiais ou satisfação de torpes intuitos inconfessáveis.


          Uma boa dose de amargura apossou-se de mim, por sentir-me impotente e não ter como reagir contra o que é inequivocamente ruim, indisfarçavelmente feio, manifestamente de mau gosto; e tudo isso exposto, divulgado e consumido sob o amparo do que seria o direito de livre expressão.


          É sempre bom saber que, quanto mais a vida passa, os ares de liberdade alcançam regiões, povos, culturas e estratos sociais que antes seriam inimagináveis. Mas o mau uso dessa liberdade é que me constrange e me incomoda. Apesar disso, defendo, por princípio, que é melhor garantir uma liberdade que deixe à solta o que seja ruim, do que inibi-la por qualquer meio ou forma sob o pretexto de preservar o que seja bom.


          Entretanto, já dizia Edmund Burke: “Para que o mal triunfe, basta que os bons fiquem de braços cruzados.” Efetivamente, não há repressão consequente ao que é mau, porque, atualmente, tudo se justifica em nome da liberdade. Por outro lado, há uma grave inversão de valores, pois essa liberdade não acolhe o bem, principalmente a cada vez que ele se levanta e reage e, assim, acaba sendo sumariamente massacrado pela grande maioria de medíocres e malévolos que quer garantir seu alegado direito de continuarem a ser assim.


          Como não vi saídas para esse impasse, preferi me isolar do resto do mundo. Mas, vez por outra, ainda ponho a cabeça para fora, cometendo atos de guerrilha em nome do que acredito.   

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