Sobre beijos e plágios
Eu era bem jovem quando deitei os olhos na primeira edição do romance de autoria de Ignácio de Loyola Brandão intitulado “O beijo não vem da boca”. A despeito do inquestionável brilhantismo da obra, para mim, pessoalmente, marcou muito a genialidade da grande tirada expressa no título. É bem verdade que existe por aí quem tenha descaradamente usurpado esse mesmo título para encabeçar escritos de uma bizarra indigência mental. Ou seja, a mediocridade de quem copiou o que viu na capa não teve, nem de longe, a capacidade de surrupiar o valor de um conteúdo que não lhe foi possível compreender.
Ontem, passando de carro pela ladeira que leva à saída do condomínio onde moro, vi num dos bancos que se distribuem pela calçada um casal de adolescentes se beijando na boca. A menina estava literalmente paralisada e de olhos fechados, numa postura corporal que não disfarçava um prévio planejamento de quem já havia, por várias vezes, fantasiado mentalmente o momento em que fosse transformar algum sapo em príncipe. O garoto, por sua vez, tinha uma certa dificuldade em manter sua língua dentro do alvo na boca alheia, porque seus olhos teimavam em passear ao redor, numa evidente busca para descobrir nas redondezas quem estivesse assistindo àquilo que ele presumia, em meio àquele arremedo de conquista, ser um grande feito.
Tive de conter meu ímpeto de saltar do veículo para alertar aquelas criaturas que o beijo nada tinha a ver com o que eles assistiram na televisão, mas sim, que ele de fato não vem da boca e que não é em outra boca que ele acaba se alojando. O efeito externo do contato de lábios e línguas é só a ponta de um iceberg. Eu gostaria, sim, de tê-los avisado que, como quem somente plagiou o título do livro, também eles copiaram só o que viram na superfície , mas ainda não tinham compreendido o que na realidade reside nas profundezas.
Porém, seria ingenuidade minha esperar que aquelas personalidades ainda em formação pudessem entender que o amor transcende ao que as aparências denunciam. Há tanta gente que até já tem netos e não descobriu isso, ainda. Aqueles jovens, pelo menos, vislumbram uma vida pela frente para buscar, entre tentativas e erros, que seus hoje tíbios roçar de lábios e trôpegos enrolar de línguas os levem ao caminho certo.
Nada poderia eu, de fato, ensinar. O amor, como a poesia, não se aprende; se descobre!
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