(Cartas à minha Vida)
CHAVE DE COFRE, PRECISA-SE (URGENTE)
Sabes, Vida...
Eu acho que, logo à nascença, nos é atribuído um determinado pecúlio de Tempo. Nem mais, nem menos, do que o estabelecido por quem põe e dispõe, lá no Superior Governo do Universo.
Enquanto pequeninos, limitamo-nos a gastá-lo inocentemente e deixar que alguém o administre por nós. Depois, aos poucos, mais cedo ou mais tarde, aprendemos nós mesmos, a geri-lo. Com mais ou menos conflitos e tropeções, todos temos pressa em ser donos do nosso próprio Tempo! Sofregamente, sem gastar nem um minutinho precioso a aprender a gastá-lo, e a ouvir os conselhos de quem já quase o gastou todo, ou de quem o guarda ciosamente no sótão, cheio de mofo e bolor... Também, nem sei se "Gestão do Tempo" consta dos teus currículos académicos, Vida! Talvez não, ou talvez ninguém esteja interessado! Talvez o Tempo não seja uma coisa que se aprenda a gerir, por ser tão volátil e fugidio... Ele é matreiro, escapa-se-nos dos dedos, brinca às escondidas nos ponteiros dos nossos relógios (vâ tentativa humana de o domar!...) disfarça-se de Dia e de Noite, finta-nos com os enganadores recomeçares, do Ano, das estações, das fases com faces novas... Como podemos pegar nele, reparti-lo, moldá-lo, distribuí-lo? Deve ser ciência para mentes muito rectas e organizadas e divididinhas em compartimentos sempre limpinhos e fechados (para não lhe cair o pó e para não haver possíveis fugas!). Não para a minha, com certeza! Guardar o Tempo e gastá-lo comedidamente em tempo útil, nunca foi a minha arte! E a culpa não é de quem me passou a herança, não!! A minha fada-madrinha (querida!) bem me dizia: "Não guardes para amanhã o que podes fazer hoje!" Toda a cupa é só minha, mesmo! Ou então, da qualidade de Tempo que me foi atribuída à nascença! Se calhar, Vida, deixaste que me calhasse um Tempo sem qualidade nenhuma, sei lá, um Tempo em segunda mão, ou um Tempo vagabundo ou um Tempo preguiçoso que ninguém quis! O certo é que nunca tive uma relação muito equilibrada e salutar com esse fulano! Ignoro-o, deixo-o solto sem rédea, desprezo-o, vingo nele as tuas chicotadas, (ah, pois é, Vida, tu sabes que és muito má para mim!), esbanjo-o, sempre que abro o meu cofre e me julgo sua dona. Depois, não me sei impor, perco-lhe o domínio, e ele trai-me, escapa-se-me, desafia-me, e eu, na iminência de ir à bancarrota, lá corro atrás dele, persigo-o, suborno-o, suplico-lhe e caio a seu pés, sem fôlego, completamente escravizada! Ah, maldito! Invejo tanto as pessoas que fazem o que querem com o seu Tempo, que fazem dele um tesouro dócil e de trato fácil! Espero que, pelo menos, o meu Tesouro rebelde tenha mais fôlego do que eu e me acompanhe sempre, até que eu queira perder o meu fôlego... Ou tu mo tires, Vida...