Figurinhas carimbadas

 
Figurinhas carimbadas
 

          Félix; Carlos Alberto, Brito, Piazza e Everaldo; Clodoaldo, Pelé e Gerson; Jairzinho, Tostão e Rivelino. É! Pois é! Trata-se da chamada Seleção Canarinho que conquistou em definitivo a Taça Jules Rimet, em 1970. Definitivo, ao menos, até roubarem a taça da sede da CBF no Rio de Janeiro.


          No meu tempo de menino era assim; a gente sabia de cor a escalação do time titular da seleção brasileira. Da mesma forma acontecia com o time de coração de cada um. Havia uma constância, um certo respeito à camisa. O ídolo de um time, quando eventualmente se transferia, ia para alguma agremiação de outra cidade; de preferência, de outro estado. Isso porque caso fosse defender as cores de algum rival próximo, cairia em desgraça, tanto com a nova torcida, que iria certamente hostilizá-lo, quanto com a antiga, que o juraria de morte. 


          Hoje em dia isso tudo parece até piada. Afinal, de uma hora para outra surge algum Numseikendson da vida, que chega para ser o salvador da pátria de alguma equipe e, em poucos meses – quando não, semanas – se transfere para algum time europeu. Se for bom mesmo, fica na Europa Ocidental, se não, vai mais para o oriente um pouquinho.


          Mas, naquele meu tempo de infância, a gente colecionava figurinhas com jogadores de futebol. É desses tempos que surgiram termos como “trocar figurinhas”, “figurinha carimbada”, “figurinha repetida” e outros tantos que até hoje são utilizados por aí.   Não que agora não existam álbuns de figurinhas para serem preenchidos. Entretanto, sinceramente, não dá para comparar Pelé com Hello Kitty, ou Gerson com Harry Potter, ou Tostão com Picachu.


          Era uma prática muito difundida entre os meninos, razão porque os astros do futebol é que davam ensejo e contexto para os álbuns daquela época. Além disso, não havia coisa mais comum que ver-se nas calçadas ou nas ruas de terra batida no entorno das escolas, aquela molecada reunida num animado jogo de bafo. Se alguém, por aí, não sabe o que é jogo de bafo, vá procurar na Wikipédia. Lá tem! Atualmente a meninada troca emoticons animados pelo MSN. Nada de sujar as mãos!


          A bem da verdade, passei os últimos dias tentando lembrar, sobre aquela coleção dos heróis da conquista do Tri, qual era a figurinha carimbada. Piazza ou Brito eu sei que não era, porque lembro que todo mundo tinha; nem havia com quem trocar. Nem se imagine que era a do Pelé, porque também não era. Se não me engano era do Everaldo. Alguém aí se lembra do Everaldo? Ilustre camisa seis que defendeu a lateral esquerda de nosso esquadrão verde-amarelo.


          Nem isso dá para ficar comentando muito. Das onze posições que existiam no futebol, só remanesceu incólume a do goleiro. Nada mais de laterais ou pontas, todo mundo hoje joga avançado ou recuado, na armação ou contenção, na distribuição ou aproximação, na enrolação ou fora da concentração. 


          Para falar a verdade, muito do tesão que existia em torcer pela seleção acabou por conta da mercantilização e globalização que impuseram ao outrora mítico futebol. Hoje, todos os craques trazem adjetivos como “fenômeno” ou “fabuloso”, e coisas assim. Bom mesmo era o tempo em que não seria de se estranhar que quaisquer Reco-reco, Bolota e Azeitona pudessem compor o meio-de-campo de um selecionado brasileiro. Certamente, só por isso, já mereceriam ser “figurinhas carimbadas”.


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