Com a barba por fazer

 
Com a barba por fazer
 

          Hoje, estava eu diante do principal figurante nesta novela que é minha vida: o espelho! E, ali, frente àquela camaleônica figura, notei que estava, mais uma vez, com a barba por fazer. 


          Imagino que a relação de um homem com sua barba deva dizer muito sobre ele, mas isso deve estar relegado a alguma obscura tese de psicologia a que ainda não tive acesso. Todos ficam tão preocupados com as fixações fálicas que se esquecem que um ser humano tem um labirinto em sua personalidade que se estende além dos óbvios limites da genitália.


          E a barba, em si, é um adorno estético dos mais polêmicos. Há quem ache o máximo e há quem deteste sem qualquer concessão. De minha parte, nesta era que valoriza duvidosos estilos metrossexuais, ainda penso que ter barba na cara é um patrimônio para qualquer indivíduo. Conheço muitos que têm a cara lisinha, lisinha e dariam um dedo da mão direita para poder ostentar alguma pelagem mais viril no próprio rosto.


          Quanto mais o tempo passa, acentua-se o tanto que rareiam-me os cabelos no topo da cabeça e, então, mais e mais valorizo os que persistem firmes e fortes espalhados pela face.  Às vezes deixo crescer de vez e fico ostensivamente barbudo. Depois de algumas semanas, aparo um tanto e deixo só o cavanhaque. Mais alguns dias se passam e deixo só o bigode. Até que, enfim, chega um momento em acabo raspando tudo e fico literalmente de cara limpa. Para não chegar ao extremo de seguir essa sequência até o ponto de cortar fora a cabeça, acabo deixando crescer tudo de novo e reinicio o ciclo.


          Mas hoje, olhando minha estampa no espelho e a barba por fazer, senti que isso estava me incomodando. Havia um quê de desleixo e não de despojamento. O olhar estava também barbado e pareceu-me que, se fosse emitir qualquer som, minha voz também estaria cheia de pelos. Entretanto, enquanto coçava o queixo, matutando se deveria ou não pôr o barbeador para trabalhar, senti aquela agradável sensação da pelagem roçando meus dedos.


          Liguei o chuveiro e deixei que o vapor da água quente embaçasse o espelho. O pus de castigo porque, certamente, era ele que estava de pá virada, hoje!

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