Bobagens à toa

 
Bobagens à toa
 

          Ao despertar, como faço todos os dias, despejei-me cama afora.  A vontade de continuar deitado cedeu àquele sonambulismo autômato que me arrastou até o banheiro. Lá, o metabolismo se desfez do que processou à noite e ainda, escova de dentes em punho, friccionei aquele riso patético que sempre surge no espelho, espumando à força no embalo do dentifrício, mas que nunca evolui para uma gargalhada porque soçobra afogado no enxaguante bucal.

          Lavei o rosto para espantar o sono, mas quem se espantou fui eu. Ali estavam aquelas teimosas marcas de expressão que  não são dadas a entregar-se a água e sabão. Esses sulcos na face até se lavam, mas não se passam. A vida, às vezes, amarrota a gente de forma irrevogável.


          Voltei ao quarto porque a rotina exigia que eu me paramentasse para o ritual de reprisar todos os ontens como se fosse inevitável bisar todos os amanhãs. Mas, por uma fresta na cortina, a manhã focou sua luz num pontinho que se instalou ali no espaldar de uma cadeira. Fui até a janela para conferir de perto aquela sorrateira invasão da penumbra sonolenta.


          Eis que, sem que eu esperasse, o dia pulou no meu colo e veio esfregando o sol no meu rosto, enquanto abanava sua brisa em festa e me lambia com seu calor matinal. Essa grata surpresa fez com que eu espontaneamente bendissesse o dia. Há muito tempo eu não abençoava um dia. Talvez, por isso, há muito tempo os dias tenham deixado de me abençoar, também. 


          Então, escolhi para usar aquela velha esperança que há tempos não vestia e borrifei-me um pouquinho de ambição, só para sair levemente perfumado com o quase esquecido cheiro de vitória. 


          Bobagens à toa, mas dei-me ao luxo de ficar novamente feliz!