Hoje não haverá ninguém, com certeza, lá não haverá ninguém dos íntimos, nenhum para me ouvir. Cantarei para os que nada sabem de mim.Hoje, cantarei antes de tudo para mim e, um pouco depois de tudo, cantarei para cada um de vocês, com a minha saudade impossível de ser ouvida.
Cantarei o melhor que puder em homenagem a mim, à que fui, à que não fui, às brincadeiras puras do viver que nunca ousei.E também a alguma outra, desconhecidamente nova, que venha ainda a ser.
Brindarei com minha voz a toda a inútil coragem e a cada covardia inútil, para sempre trocadas de lugar ( onde era preciso uma, sempre a presença da outra).
Brindarei com minha voz às presenças ausentes, não por culpa delas nem por culpa minha.
Brindarei à Solidão. Sorverei da própria taça à saudade de mim e à esperança de mim, saudade maior do que o mundo, esperança como as flores anônimas do campo.
Cantarei o melhor que puder. Não esquecerei a letra dos cantos e desencantos, não esquecerei nada, nem pedirei perdão. Já não será preciso pedir perdão a mim, nem a ninguém.
Serei minha deusa, minha rainha. Serei apenas minha, não importa que ninguém veja o trono e o diadema. Não importa.Serei minha, em um instante de reinado invisível e sem guerras entre dinastias.Serei minha. Perdoem-me amados, amantes, amigos. Serei minha, apenas e tão somente minha.
Perdoem-me essa infidelidade, é de um instante. Depois voltarei para cada um de vocês, me doarei de novo a vocês, sem esperar qualquer coisa em troca.
Serei minha. Voarei para um reino só meu. Não me peçam fidelidade neste instante. Que não me haja mais nada. Que ninguém mais me haja, neste único instante de mim para mim mesma.