Sonhos confinados

Sonhos confinados


Sou o mais novo de quatro irmãos. Minha mãe nunca se cansa de dizer que criou os quatro da mesma forma. Até hoje não entendi porque Dona Izabel tem tanto orgulho por ter cometido tamanha injustiça, afinal, cada um nasceu e cresceu uma pessoa diferente. De qualquer maneira, as regras lá eram bem claras e cada um de nós, a seu tempo, ficou devidamente confinado nos limites de casa até que atingisse idade suficiente para trabalhar. Antes disso, ir para a rua somente acompanhado de um adulto ou irmão mais velho.

Eu, como sou o caçula, deveria, em tese, ter sido o maior beneficiado, já que todos naquela casa eram mais velhos que eu e, portanto, seria natural que eu tivesse mais chances de dar uma saidinha de vez em quando. Mas não era assim. Eu, pequenino, ficava lá assistindo àquele vai-e-vem de todo mundo e só comecei a ter mais freqüência na rua quando comecei a ir à escola. Sempre havia uma alma generosa para me acompanhar nas idas e vindas. Uma vez ou outra, é claro, havia algum ensejo para fazer uma visita à minha madrinha – e essa benesse, obviamente, dependia da boa (ou má) vontade de sua santa comadre.

Dividindo os limites do imóvel onde morávamos e o resto do mundo havia um muro nada alto e, por certo, um portão – até porque seria um contra senso se fosse preciso pular o muro para entrar ou sair. Era portãozinho simples, feito de sarrafos pregados verticalmente e separados com simetria por entrevãos da mesma largura. Os cuidados com a segurança não convocavam a necessidade de trancas inexpugnáveis, como hoje.  Os dias de então pediam somente um trinquinho xumbrega que mantivesse o danado quieto e sem bater pra lá e pra cá.

Eu ficava ali, com o nariz enfiado entre um sarrafo e outro do portão, como um condenado em sua cela, esfregando o olhar no lado de fora, onde a liberdade ri da cara de quem está dentro. Não havia obstáculos reais que me impedissem de ultrapassar aquele portão, a não ser uma natural obediência aos comandos maternos que a isso proibiam. Bons tempos em que os filhos obedeciam suas mães pela simples razão de serem suas mães – e mais nada! 

Ali eu via os carros trafegando e pensava comigo que, algum dia, teria esse ou aquele carrão pra desfilar por aí. Observava as moças passando e pensava comigo que, algum dia, as mais bonitas seriam minhas namoradas. Estudava os passos apressados das pessoas que se encaminhavam ao trabalho ou dele voltavam e pensava comigo que, algum dia, eu iria também sair para exercer alguma nobre profissão. Olhava para a esquina lá adiante – ponto de encontro entre o que a vista alcançava e o resto do mundo – e pensava comigo que, algum dia, cada canto seria explorado sem exceção.

Eu era tão pequeno, o portão parecia tão grande e o resto do mundo se insinuava tão encantador... Quero meu portão de volta!!!