DIÁRIO DA QUARENTENA
No primeiro dia, Clarice dançou pela casa ao som de Tim Maia. Três dias depois, ela havia devorado todos os chocolates da dispensa e desejou profundamente não ter tanto sossego. Uma semana mais tarde, não conseguia nem pensar em ver outro filme ou série. Com o isolamento, veio o tédio e uma irritação desmedida. Na verdade, ela queria gritar na janela. E aproveitou os protestos da faixa das oito para falar todos os palavrões que normalmente não diria em voz alta. Naquela noite, Clarice se deu conta de como era egoísta. A pandemia virara pelo avesso a vida das pessoas ao redor do mundo e ela preocupada com seu próprio umbigo. No entanto, não sentiu culpa. Imperfeita assumida, reconheceu mais um defeito e o acrescentou à sua vasta lista. A quarentena estava apenas começando. O medo ainda não a dominara. E uma pergunta a perseguiria até que o confinamento terminasse: Clarice sobreviveria a si mesma?