DOIS ESTRANHOS E UM QUARTO DE HOTEL
A confusão estava armada. Helena e Afonso — dois completos desconhecidos — haviam sido colocados no mesmo quarto. O gerente do único hotel naquele fim de mundo não perdeu tempo com desculpas. E foi direto ao ponto: não havia outro lugar vago. De volta à suite, a tranquilidade de Helena retocando a maquiagem realçava o desconforto de Afonso. Apenas para puxar conversa, ela perguntou:
— Você é casado?
Sem desviar os olhos do antigo aparelho de televisão, o homem levantou a mão esquerda exibindo uma grossa aliança de ouro:
— Quinze anos.
Helena refez o traço negro do delineador, antes de retrucar:
— Eu nunca tive essa coragem.
Afonso encarou a desconhecida imaginando quem seria aquela mulher sentada ao seu lado, aos pés da cama. E então respondeu:
— Você não teve medo de estar com um estranho em um quarto de hotel.
Helena deu uma última olhada no espelho, e no exato instante em que fechava o pequeno estojo de sombras, disse:
— Tenho medo daqueles que conheço bem.
(*) IMAGEM: JULIETTE BINOCHE e JEAN RENO
"FUSO HORÁRIO DO AMOR"
DIREÇÃO DANIÈLE THOMPSOM