A cama do cadáver
A cama parece me envolver com sua enorme bocarra faminta, me engolir, triturar os ossos, esmagar o crânio em seu colchão macio. A maciez pode também triturar, essa necessidade de repouso, a dormência dos sentidos. Deitado, deitado, assim estou e não consigo me mexer, a cama me aprisionou em sua afabilidade e aconchego, pois, é difícil lutar contra a inércia, o estado natural do corpo. O estado eterno, principalmente depois da perda.
Ainda ouço os passos vindo pelo corredor de quem foi embora, de quem perdi para a morte. Espero, deitado, que ela também me visite, que venha e me leve junto consigo, mas permaneço apenas deitado, todas minhas articulações doem, minhas pernas esqueceram como se alternam para caminhar e meus olhos não se movem, não se lembram como é a luz do dia. Porque é necessário também a escuridão para se aguardar a morte, ela não parece gostar de vir em dias ensolarados quando estamos sorrindo por coisas tolas, não, ela prefere esse tipo de existência fracassada, essa atmosfera pestilenta de derrota e entrega.
Contudo, ela não me visita, permanece à espreita, mas não chega logo. Sinto seus olhos negros sobre mim, sinto sua força em me aprisionar nessa cama, mas ela não vem. Mais do que tudo sinto seu cheiro nauseabundo por perto, infiltrando minhas narinas, tomando conta do meu corpo, infectando todo ar com o aroma da decomposição.
Ao estender a mão para o lado, compreendo que sua presença está mais perto do que imagino, toco no corpo em avançado estado de decomposição de Melina, minha esposa. A morte permanece aqui presente, agindo na matéria da minha querida, levando embora o pouco que me restou de sua existência palpável, e não se digna a me tomar pela mão e levar embora, ela não me toca, se alimenta de Melina, mas não quer saber de mim. É uma frustração, um desalento sem tamanho, não ser digno nem mesmo da morte.
Permaneço deitado, sorumbático, aguardando.