Em uma fazenda do chão mineiro
Por nome Sela de Prata
Existia um boiadeiro
Por nome de João da mata.
Homem forte e destemido
E do laço era o rei
O gado logo era reunido
Isso eu presenciei.
Atravessava o sertão
Em meio àquela poeira
O seu nobre alazão
Amigo pra vida inteira.
O seu berrante ecoava
E ajuntava os animais
Da água fresca tomava
Nos belos mananciais.
João da mata cantava
E alegrava a peonada
A sua viola ponteava
Até alta madrugada.
No campo o perfume
Das flores da primavera
E com ele o queixume
Da inesquecível Vera.
Vera era uma morena
Da pele cor de canela
Era uma linda pequena
Do sertão era a mais bela.
Um amor de infância
Transformou-se em paixão
O destino com a lembrança
E ele com a solidão.
Ele carregava no peito
Uma amargura tamanha
Tem coisas que não há jeito
Quando o destino se assanha.
Uma maldita febre
Infestou a região
Levando a sua amada
Parte do seu coração.
Foi uma viagem só de ida
Que o nosso Deus lhe dera
Lágrimas e dor na despedida
No enterro da linda Vera.
Triste a juriti
Cantava em seu louvor
A passarada dali
Entendia sua dor.
Adormecia em tua sela
Com o chapéu em teu rosto
Sempre pensando naquela
Que sempre lhe dava gosto.
Acordava com os bichos
E preparava o café
Medo e preguiça eram lixos
Para aquele homem de fé.
Em meia àquela boiada
Havia um touro valente
Que não respeitava nada
O que via pela frente.
Este touro era “Diamante”
Por seu pelo negro brilhar
Seus olhos reluzentes
Dava medo de encarar.
A peonada temia
Aquele bruto animal
No laço a fera gemia
E tinha um instinto do mal.
E seguiu o boiadeiro
Rumo ao seu destino
Passando num desfiladeiro
Perto de Campo Fino.
A noite chega tão lenta
E o povoado é o cenário
Ali a imagem da Santa
É a festa do Rosário.
Joelhos dobram-se por terra
É hora da devoção
Naquele pé de serra
Aquela comunhão.
Depois da oração
Vem a comilança
A sanfona e a canção
E o povo cai na dança.
O João ali pensativo
Ao som da afinada viola
O resto da peonada
Na dança entrava de sola.
Entravam madrugada afora
Mas com um dever a cumprir
Era hora é de ir embora
E a jornada prosseguir.
O touro com o olhar de serpente
Fitava de longe o João
Que ali sorridente
Preparava seu alazão.
E para Rio Manso
Seguiu aquele cortejo
Que era próximo à Remanso
Um pequeno vilarejo.
Na entrada da corrutela
A boiada estourou
João usou a cautela
E não se apavorou.
Mas por um instante, um segundo
Diamante atacou o boiadeiro
Ali se estreitou o mundo
Daquele grande vaqueiro.
Era grande a peleja
E a peonada assistia
Em frente a uma igreja
Da Virgem Santa Maria.
O touro cruel foi bandido
E atingiu ferozmente o João
Como uma espada o chifre
Cravou o seu coração.
João ali em agonia
Via a morte chegar
A peonada sabia
E pôs-se a rezar.
Diamante bufava num canto
Com os olhos feito um braseiro
E a multidão em pranto
Perdia o maior boiadeiro.
Lágrimas eram como um rio
Todos em agonia
João ali era um filho
Como Jesus pra Maria.
Os companheiros sepultaram
O João em uma chapada
Em seu túmulo cravaram
Uma cruz de aroeira lavrada.
E na placa escrito:
"Aqui descansa o João
Que Deus apontou a Cristo"
Como o maior do sertão.
O seu berrante pendurado
Ali também ficou
A espora de prata apurada
Um dos peões a levou.
E deixou naquele cruzeiro
Que fica lá no estradão
Perto do ingazeiro
Aonde rezava o João.
Mas veja só o destino
Que a vida lhe dera
Foi enterrado pertinho
Do túmulo da amada Vera.
Hoje não tem comitiva
Tudo mudou por ali
Recebi uma missiva que dizia:
FICOU MUDA A JURITI !
O touro Diamante morreu
Em uma grota no espigão
Dizem que ninguém socorreu
Aquele maldito no chão.
A terra chega a tremer
Quando se fala do João
Caboclo que fez gemer
E desafiou o bufão.
Quem tem coragem e ousadia
No coração leva fé
Enfrenta o sertão com maestria
Vai a cavalo ou a pé.
Dorme com o encanto
Da doce mãe natureza
Faz da vida um canto
Pra enfrentar a peleja.
E naquela região
Um grande comentário
Coisas do sertão
O meu grande santuário.
Em noite de lua clara
Ouve-se o som da viola
O chicote se estala
Vê-se o brilho da espora.
O toque daquele berrante
Atravessa mares e terras
É uma saudade incessante
Do João e daquelas serras.
A água canta no rio
A criação chora no sertão
Tem animal no cio
Tem amor no coração.
Fica aqui registrado
Um fato bem verdadeiro
De um vaqueiro respeitado
Pelo sertão mineiro.
Os berrantes ecoam
Pelas serras e os campos
Lágrimas rolam, escorrem
Dos ventos também em pranto.
E quando é lua cheia
O aboio no meio da noite
Mistério deste sertão
Galope, vaqueiro e açoite.
João da mata permanece
Por esse chão mineiro
E o povo obedece
À alma do boiadeiro!