A Alma do Boiadeiro

Publicado por: Mestre Tinga das Gerais
Data: 03/04/2019
Classificação de conteúdo: seguro

Créditos

Em uma fazenda do chão mineiro Por nome Sela de Prata Existia um boiadeiro Por nome de João da mata. Homem forte e destemido E do laço era o rei O gado logo era reunido Isto eu presenciei. Atravessava o sertão Em meio àquela poeira O seu nobre alazão Amigo pra vida inteira. O seu berrante ecoava E ajuntava os animais Da água fresca tomava Nos belos mananciais. João da mata cantava E alegrava a peonada A sua viola ponteava Até alta madrugada. No campo o perfume Das flores da primavera E com
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A Alma do Boiadeiro

Em uma fazenda do chão mineiro

Por nome Sela de Prata

Existia um boiadeiro

Por nome de João da mata.

Homem forte e destemido

E do laço era o rei

O gado logo era reunido

Isso eu presenciei.

Atravessava o sertão

Em meio àquela poeira

O seu nobre alazão

Amigo pra vida inteira.

O seu berrante ecoava

E ajuntava os animais

Da água fresca tomava

Nos belos mananciais.

João da mata cantava

E alegrava a peonada

A sua viola ponteava

Até alta madrugada.

No campo o perfume

Das flores da primavera

E com ele o queixume

Da inesquecível Vera.

Vera era uma morena

Da pele cor de canela

Era uma linda pequena

Do sertão era a mais bela.

Um amor de infância

Transformou-se em paixão

O destino com a lembrança

E ele com a solidão.

Ele carregava no peito

Uma amargura tamanha

Tem coisas que não há jeito

Quando o destino se assanha.

Uma maldita febre

Infestou a região

Levando a sua amada

Parte do seu coração.

Foi uma viagem só de ida

Que o nosso Deus lhe dera

Lágrimas e dor na despedida

No enterro da linda Vera.

Triste a juriti

Cantava em seu louvor

A passarada dali

Entendia sua dor.

Adormecia em tua sela

Com o chapéu em teu rosto

Sempre pensando naquela

Que sempre lhe dava gosto.

Acordava com os bichos

E preparava o café

Medo e preguiça eram lixos

Para aquele homem de fé.

Em meia àquela boiada

Havia um touro valente

Que não respeitava nada

O que via pela frente.

Este touro era “Diamante”

Por seu pelo negro brilhar

Seus olhos reluzentes

Dava medo de encarar.

A peonada temia

Aquele bruto animal

No laço a fera gemia

E tinha um instinto do mal.

E seguiu o boiadeiro

Rumo ao seu destino

Passando num desfiladeiro

Perto de Campo Fino.

A noite chega tão lenta

E o povoado é o cenário

Ali a imagem da Santa

É a festa do Rosário.

Joelhos dobram-se por terra

É hora da devoção

Naquele pé de serra

Aquela comunhão.

Depois da oração

Vem a comilança

A sanfona e a canção

E o povo cai na dança.

O João ali pensativo

Ao som da afinada viola

O resto da peonada

Na dança entrava de sola.

Entravam madrugada afora

Mas com um dever a cumprir

Era hora é de ir embora

E a jornada prosseguir.

O touro com o olhar de serpente

Fitava de longe o João

Que ali sorridente

Preparava seu alazão.

E para Rio Manso

Seguiu aquele cortejo

Que era próximo à Remanso

Um pequeno vilarejo.

Na entrada da corrutela

A boiada estourou

João usou a cautela

E não se apavorou.

Mas por um instante, um segundo

Diamante atacou o boiadeiro

Ali se estreitou o mundo

Daquele grande vaqueiro.

Era grande a peleja

E a peonada assistia

Em frente a uma igreja

Da Virgem Santa Maria.

O touro cruel foi bandido

E atingiu ferozmente o João

Como uma espada o chifre

Cravou o seu coração.

João ali em agonia

Via a morte chegar

A peonada sabia

E pôs-se a rezar.

Diamante bufava num canto

Com os olhos feito um braseiro

E a multidão em pranto

Perdia o maior boiadeiro.

Lágrimas eram como um rio

Todos em agonia

João ali era um filho

Como Jesus pra Maria.

Os companheiros sepultaram

O João em uma chapada

Em seu túmulo cravaram

Uma cruz de aroeira lavrada.

E na placa escrito:

"Aqui descansa o João

Que Deus apontou a Cristo"

Como o maior do sertão.

O seu berrante pendurado

Ali também ficou

A espora de prata apurada

Um dos peões a levou.

E deixou naquele cruzeiro

Que fica lá no estradão

Perto do ingazeiro

Aonde rezava o João.

Mas veja só o destino

Que a vida lhe dera

Foi enterrado pertinho

Do túmulo da amada Vera.

Hoje não tem comitiva

Tudo mudou por ali

Recebi uma missiva que dizia:

FICOU MUDA A JURITI !

O touro Diamante morreu

Em uma grota no espigão

Dizem que ninguém socorreu

Aquele maldito no chão.

A terra chega a tremer

Quando se fala do João

Caboclo que fez gemer

E desafiou o bufão.

Quem tem coragem e ousadia

No coração leva fé

Enfrenta o sertão com maestria

Vai a cavalo ou a pé.

Dorme com o encanto

Da doce mãe natureza

Faz da vida um canto

Pra enfrentar a peleja.

E naquela região

Um grande comentário

Coisas do sertão

O meu grande santuário.

Em noite de lua clara

Ouve-se o som da viola

O chicote se estala

Vê-se o brilho da espora.

O toque daquele berrante

Atravessa mares e terras

É uma saudade incessante

Do João e daquelas serras.

A água canta no rio

A criação chora no sertão

Tem animal no cio

Tem amor no coração.

Fica aqui registrado

Um fato bem verdadeiro

De um vaqueiro respeitado

Pelo sertão mineiro.

Os berrantes ecoam

Pelas serras e os campos

Lágrimas rolam, escorrem

Dos ventos também em pranto.

E quando é lua cheia

O aboio no meio da noite

Mistério deste sertão

Galope, vaqueiro e açoite.

João da mata permanece

Por esse chão mineiro

E o povo obedece

À alma do boiadeiro!

Mestre Tinga das Gerais
Enviado por Mestre Tinga das Gerais em 09/01/2010
Reeditado em 26/12/2022
Código do texto: T2020443
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