Kitsune

Kitsune

E estando Isamu atravessando a estrada rural que cortava a floresta de Hiromori, ouviu os lamentos de algum pequeno animal, entre as árvores. Desviando-se do caminho, apesar do crepúsculo aproximar-se rapidamente, o peregrino identificou a origem do som e descobriu uma armadilha de caçador, na qual caíra uma raposa de pelo branco. Isamu agachou-se e começou a desmontar o artefato, enquanto conversava com o animal.

- Calma, amiguinha, que já vou soltá-la. Certamente, o caçador que deixou isto aqui não queria pegar você... kitsunes são símbolos de boa sorte, ninguém em sã consciência iria querer fazer-lhes mal...

Cuidadosamente, soltou a pata dianteira esquerda do animal, que havia sido ferida na captura, e recebeu de volta um olhar de gratidão. A raposa lambeu a pata, olhou uma última vez para trás, e depois correu para dentro da floresta, a cauda felpuda balançando como uma bandeira. Satisfeito consigo mesmo, o peregrino voltou para a estrada, pois a noite estava caindo e ele queria chegar à próxima aldeia antes que ficasse totalmente escuro.

Cerca de uma hora depois, a Lua nasceu e iluminou o caminho. Isamu viu então, numa curva da estrada, uma hospedaria, e decidiu que iria passar ali a noite, seguindo viagem logo cedo no dia seguinte. Estava acostumado a dormir sob as estrelas, mas a perspectiva de uma refeição decente e um leito macio o tentaram.

O salão da hospedaria estava relativamente cheio, e ele viu um lugar vago ao lado de um homem robusto, que pelas roupas e apetrechos, provavelmente era um caçador.

- Posso sentar-me aqui? - Indagou cortesmente Isamu.

- Não é proibido - retrucou o caçador, bebendo um gole de saquê.

O caçador desviou então a atenção do recém-chegado e retomou a conversa com um parceiro, do outro lado da mesa.

- Amanhã eu volto lá, na floresta, para ver se a kitsune caiu na minha armadilha.

Isamu engoliu em seco, pois muito provavelmente aquele fora o homem que montara a armadilha. Mas por que iria querer prender a raposa? Suas indagações foram respondidas logo em seguida:

- Não é uma raposa comum... é uma donzela encantada. Vou capturá-la, fazer com que volte à forma humana, e a tomarei como esposa.

Ah! Então era disso que se tratava, ponderou Isamu. E fez sinal para uma das atendentes, uma jovem de quimono vermelho. Ela aproximou-se, sorrindo.

- Olá, eu sou Akane! Em que posso serví-lo?

- Boa noite, eu sou Isamu - replicou o peregrino. - Traga-me o prato do dia e o chá mais forte que tiver...

Enquanto falava, Isamu percebeu que o pulso esquerdo dela estava enfaixado. Os olhares de ambos se encontraram. Akane deu-lhe uma piscadela.

- Obrigado - disse baixinho, saindo graciosamente.

* * *

E na manhã seguinte, quando Isamu preparava-se para partir, Akane foi servir-lhe chá no salão da hospedaria.

- Poderia me levar com você? - Indagou, de forma direta.

Isamu ergueu os olhos para ela.

- Por quê?

- Se eu ficar aqui, aquele caçador, Toin, vai tentar de novo... nem sempre kitsunes têm a sorte de encontrar quem as defenda - declarou ela, arrumando a mesa.

- Não posso levar uma mulher comigo - retrucou enfaticamente Isamu.

- Algo contra ter uma raposa como animal de estimação? - Arguiu ela com um sorriso.

Isamu deu-se por vencido.

- Desde que você prometa não voltar à forma humana enquanto durar a minha jornada...

- Creio que isso não será difícil - disse a jovem

Isamu partiu só. Quando afastou-se o suficiente da hospedaria, uma raposa de pelo branco saiu do mato ao lado da estrada e pôs-se a caminhar ao lado dele. Quem os via passar, juntos, não podia deixar de lançar um olhar de surpresa e admiração para a estranha dupla.

- [01-03-2019]