Saudades ao Amanhecer

Publicado por: Mestre Tinga das Gerais
Data: 07/12/2018
Classificação de conteúdo: seguro

Créditos

Não havia clareado Quando o galo com seu jeito imponente Estufara o peito e cantara Para que eu recordasse da minha infância... O apito do trem Meu nobre despertador Era também o lustrador do meu olhar Que viajava com os passageiros E nos acenos provocados por mim Recebiam de volta um adeus para o destino... Um sol sem rumo talvez Mas os olhares nas janelas Mais pareciam atores nos televisores E a saga do vai e vem de vidas... O abacateiro recebendo o Bem-te-vi Enquanto o pé de Jamelão Aguar
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Saudades ao Amanhecer

Saudades ao Amanhecer

Não havia clareado

Quando o galo com seu jeito imponente

Estufara o peito e cantara

Para que eu recordasse da minha infância...

O apito do trem

Meu nobre despertador

Era também o lustrador do meu olhar

Que viajava com os passageiros

E nos acenos provocados por mim

Recebiam de volta um adeus para o destino...

Um sol sem rumo talvez

Mas os olhares nas janelas

Mais pareciam atores nos televisores

E a saga do vai e vem de vidas...

O abacateiro recebendo o Bem-te-vi

Enquanto o pé de Jamelão

Aguardava os mais peraltas

Para a escalada

E no cantinho do quintal

A horta da mamãe

Esperando a água com o regador

Pois dali saía o verde

Para enfeitar a mesa.

Logo os Pardais em sinfonia

Faziam a algazarra

Reverenciando o amanhecer

E a mamãe assoprando o fogão à lenha

Lenha essa que ela buscava em meio às plantas do cerrado

Para curar certas enfermidades.

Ora os gravetos molhados pela chuva

Ora o fogo sapeca

Fazia a fumaça fogosa visitar a casa

E a chaminé a esbanjar felicidade

Como se tivesse espalhando névoa no ar...

Na chaleira a água para o café

Nos pratos? Aquele angu doce e o fubá suado.

Papai tomando o seu café da janela

E olhando o tempo, pois...

Pedreiro em certa fase da obra não trabalha com a chuva.

E eu ali esperando ver a cara do loiro sol

Para ir à escola que por entre rabiscos e desejos

Aprendia a ler as primeiras palavras

Para a alegria de papai e mamãe...

Lá fora

A prosa dos vizinhos

Desenhava o dia

E a vassoura assanhada

Ora varria

Ora dava uma pausa para o próximo causo...

E a vassoura na escuta...

Acordei com o umbigo coçando

E mais colado ao passado...

O padeiro e a buzina com o pão

No cesto da bicicleta de carga

O leiteiro em meio aos choros das crianças

Chegava para a alegria de todos...

À tarde

Nadar no poção

Ou brincar de bola-de-gude

Ou jogar futebol

Ou caçar passarinhos

Ou buscar frutos no cerrado...

Cajuzinho, Araçá, Jatobá, Pequi...

Cada fruto em sua época.

Sei lá...

Sapequice aflorada!

Foi-se o sol...e a lua prateada flutuando...

E já era noite

Quando a lamparina ostentava o pavio

E eu o mais velho dos oito

Ficava com a empreitada

De acendê-la e abastecê-la de Querosene

Lá da Venda do Zé Penteado

Que também nos vendia os mantimentos

Para o sustento da família.

E a dança das chamas

Iluminava a casebre

Ou mesmo sem a luz

Nossos olhos brilhavam no escuro

Ao ouvir as estórias de assombração

Que a mamãe contava para a gente dormir...

É manhã...

E lá a mamãe e o fogão

Cantarolando...

E papai novamente de pé

Pronto para o trabalho

Depois fazer a ronda rotineira

E visitar a cada a um dos filhos

Em suas camas em sono profundo

Antes de ir à labuta...

Cada um a sua maneira

Meus irmãos iam acordando

Conciliando o frio e a fome deixados pela noite...

Vão à beira do fogão

E ali

O bule já em cena

O Angu e o fubá suado

Protagonizando a peça

Para alegria de todos

Que também contavam os sonhos que cada um tivera na noite...

Pois eu me acordo é assim...

Nos braços do mundo

Da infância

Um labirinto misterioso e feliz

Um estradeiro e o rumo

Como um carro-de-boi com um som estridente

Feito um violino na ópera do sertão

Sou a poeira na beira da estrada

Uma porteira cantadeira

Uma águia altaneira

Um ser submerso de saudade

Saudade da minha infância!

Quem de sua infância

Saudades não tem?

Quem?

Tinga das Gerais

Mestre Tinga das Gerais
Enviado por Mestre Tinga das Gerais em 17/03/2011
Reeditado em 08/11/2017
Código do texto: T2853046
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