Férias? Nada disto. Horácio mergulhou no trabalho, aceitando uma série de novos casos. Naquele fim de tarde, Judite avisou o detetive que o último cliente do dia remarcara sua vinda para a manhã seguinte. Sem desviar os olhos dos papéis espalhados sobre sua mesa, ele disse:
— Se quiser, pode ir embora mais cedo.
A secretária não saiu do lugar. Sentindo ainda a presença de Judite na sala, Horácio interrompeu as anotações de uma investigação para observar a mulher que trabalhava em seu escritório. Ela parecia distante.
— Sonhando acordada?
— É o que me resta, senhor Horácio.
O detetive sorriu. Era a primeira vez, em dois anos, que Judite se permitira falar com ele daquela forma. Antes que Horácio tivesse tempo de responder algo, a mulher acomodou-se na surrada poltrona diante da escrivaninha.
— Sabe, senhor Horácio, eu queria contar uma coisa.
Sem ponto nem vírgula Judite desatou a falar de sua vida solitária. De como era difícil parecer invisível aos homens e ser aquela que ninguém quer. Mas, desde que começara a trabalhar para Horácio, ela passou a conhecer as dores de outras pessoas. Judite testemunhara tantas histórias na minúscula sala de espera, que enfim ela entendeu: a vida não poupava ninguém. E ainda que pudesse parecer estranho, aquilo a confortava.
Quando a secretária levantou-se para ir embora, Horácio fez um gesto para que ela voltasse a se sentar:
— Preciso de sua ajuda.
O detetive colocou sobre a escrivaninha uma fotografia de Martha — sua ex-esposa — empurrando o retrato na direção de Judite. A história era longa. E nela havia um papel à espera da secretária.
NOTA DA AUTORA: Para melhor entendimento da trama, sugiro a leitura dos contos desta série: "O Primeiro Caso", "O Caso do Bar", "A Sombra de Eva", "A Ex-Mulher" e "O Detetive".