Tatuagem e músicas de Philip Collins

Tatuagem

  Tocou o interfone. Naqueles dias esse som me incomodava, minha solidão estava me deixando arredio ao mundo, preferia que ninguém me procurasse, queria ficar quieto, isolado. Andava cansado. As reportagens para o jornal me consumiam, e, quando chegava em casa, ainda tinha um audiolivro para fazer.
  Compus-me e fui à porta atender. Era um mensageiro enviado pelo Eli. Trouxe-me um envelope. Dentro havia um bilhete e uma carta. No bilhete Eli me pedia para eu entregar aquela carta em mãos à Solara.
  Eli e Solara foram casados por muitos anos.


 
  Conheci Eli no show do Phil Collins, quando ele veio ao Brasil. Eli foi engenheiro de palco e me ajudou a conseguir entrevistá-lo. Sujeito interessante, além de bom engenheiro, escrevia, compunha canções e tinha gostos literário e musical comuns aos meus.
  Achei tudo muito estranho. Tudo bem que eu era seu único amigo e ele não tinha a quem mais pedir. 
¿
Mas por que ele não a enviou diretamente a ela?
  O envelope da carta não estava lacrado. ¿Seria de propósito, sua intenção era que eu lesse antes de entregar? Mas não achei correto fazer isto e a deixei sobre a mesa.
  Tomei um banho e depois lanchei. Mas a carta não saía de meu pensamento. Eu iria entregá-la no dia seguinte.
  Dormindo me vieram algumas respostas. Eli queria que eu a entregasse para ter certeza de que Solara a receberia, pois ele confiava em mim e sabia que eu conseguiria encontrá-la. Sendo seu único amigo e confessor, em respeito à nossa amizade, Eli queria que eu tomasse conhecimento do seu teor. Pulei da cama e a li.
  A carta era uma despedida. Parti em disparada para o apartamento de Eli.
  Quando lá cheguei o porteiro me falou que Eli chegara mais cedo e pediu para ninguém o incomodar. Falei que era uma emergência e pedi para chamar o zelador. Contei ao zelador os problemas que Eli estava passando e do conteúdo da carta, ele se sensibilizou e subimos juntos.
  A porta estava cerrada, mas via-se que as luzes estavam acesas. Eli não atendia nossas chamadas. Partiu do zelador a iniciativa de arrombar a porta: “__Se ele estiver apenas dormindo, compreenderá e nos perdoará, mas acho que não devemos ficar parados, pois parece mesmo estranho ele não atender”.
  Pusemos a porta a baixo. Eli estava caído no chão do quarto. Custamos a perceber sua pulsação, seu coração quase não batia e sua respiração era muito fraca. Sobre a cama vários frascos de remédios esvaziados.
  Carregamô-lo para meu carro e voei para o hospital.
  Hoje Eli está bem, tenta parecer feliz, e nossa amizade ficou mais forte. De Solara nunca mais se teve notícias.
 A carta não sei onde foi parar, e nunca conversei com Eli a respeito. Mas ficou em minha memória e estava escrita mais ou menos assim:
 
Solara,
tal qual ave liberta, vi-me feliz,
quando olhei em teus olhos
e encontrei a minha outra parte,
minha outra metade.
Suavemente beijei tua face duas vezes
e teus lábios uma,
começou ali a nossa história,
a minha felicidade.
 
E anos depois quando vi meu nome em ti grafado
foi como se tivesse recém-casado,
novas bodas adquirido,
por ver-me em ti tatuado.
Foi para mim um novo casamento,
mais simbólico que qualquer aliança.
“Redespertou” em mim meu sonho de criança,
de ter minha casa,
minha esposa,
meu alento.

 
Mas abandonaste-me cruelmente, friamente,
apesar de todo o básico não faltar.
Fiquei muito perdido a sofrer de amar.
Meu corpo fraquejou,
fraquejou mais a minha mente.
Pensei em comigo acabar.
 
Amar-te está para mim um anseio cruel.
Aquilo que me dá vida
também ma tira.
Meu muito querer me é um remédio fel.
 
Renegaste a promessa prometida.
Só me querias na alegria e na riqueza.
Só me querias na saúde.
Deixaste-me só, na dor e na doença.
Foste fria, dolosa e fementida.
Com minha dor, pouco te importaste.
Falaram-te: “ ninguém aguenta um "esquisito" ”
e acreditaste.
 
Nunca deixei de te amar.
Em nossos melhores dias,
foste a minha doce metade,
a minha vontade de ir ao porvir.
Foste o meu paraíso,
o meu motivo para sorrir.
Foste-me o puro ar.
Mas firmaste o macabro pacto
e praticaste a traição.
Partiste a mim e ao meu coração,
ficamos em mil pedaços,
consumados pelo abandono
daquele teu ato.
Pensei em comigo acabar.
 
Naquela ocasião deixaste-me assim.
Deste vitória ao inimigo,
disfarçado de teu amigo.
Tripudiaste e humilhaste quem tanto te amou.
Não havia dia nem sol,
só me restou tristeza e escuridão.
Marcas profundas no meu coração.
Abriu ferida em mim,
que não se cura e dói, dói sem fim.
 
Quando te voltas a esta casa,
meu nome em ti já não há.
Cobriu-se com novo desenho,
tiras foto e a exibes com orgulho na rede,
como uma vitória conquistada,
tua liberdade,
para ser "curtida" e "comentada".
Não sei se maldade ou infantilidade,
mas não importa, o que importa
é que não te importas com a dor que causas.
Quanto dói ver essa foto com orgulho exibida.
 
"Não foste para isso criada",
é o que eles te falam.
Dizem-te que é feio se dar e se doar.
Que se dedicar a um homem não é amar,
é escravidão, é nulidade.
Por isso apagaste meu nome de ti.
Quanto dói ver essa foto com orgulho exibida.
 
Tantas vezes pensei em antecipar a partida.
Não sou mais capaz de te fazer me amar.
Hoje meu coração perdeu o norte.
Hoje meu coração ressente
de em ti confiar novamente,
ele antevê que na próxima dificuldade
tu partirás indiferente,
tu voltarás para os teus
e ele será deixado na saudade,
novamente sem calefação, sem abrigo.
Por isso se fechou e não sorri mais.
O importante é o quanto nos importamos,
eu não me importo mais
com quem não se importa comigo.
Destarte, ele espera a morte
pois alegria não há e esse pesar o parte.
Dor, dor, dor.
Adeus, adeus meu grande amor.
Quanto dói ver essa foto com orgulho exibida.
Meu grande amor,
adeus,
adeus.
Eli.

 
(imagens obtidas da internet todos os créditos aos seus criadores)