HISTÓRIA DE PESCADOR

Publicado por: Murilosl
Data: 16/04/2012
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Créditos

Texto e voz: Murilo Silva Lacerda
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HISTÓRIA DE PESCADOR

Cocoricóóó; Cocoricóóó. Eram cinco horas da manhã em Canoa Quebrada. Anastácio se espreguiçava na cama, preparando-se para o novo dia que começava. Nunca gostou de acordar cedo, mas era pescador; ofício que aprendeu com o pai. Logo tinha que estar no mar, para garantir peixe fresco no vilarejo onde morava. Vivia às margens, não tinha dificuldades de chegar ao local de trabalho. Agora, se tinha uma coisa que ele gostava era pescar. Adorava estar na água. Jogar a rede e puxá-la abarrotada de sardinhas. Era uma alegria só. Era mesmo apaixonado pelo que fazia. Trazia os peixes para casa e Dolores, sua esposa, muito dedicada, ajudava-o a limpá-los, para poder vendê-los. Logo ele saía para o mercado, onde a matéria-prima se esgotava rapidinho. Não tinha almoço sem os peixes do seu Anastácio.

Era sábado; o último dia de trabalho, na semana do pescador, que, apesar de gostar do ofício, não abria mão de seu descanso dominical, dia em que dormia até mais tarde. O dia correu sossegado, Anastácio descansava na rede, depois do almoço, contando suas histórias fantásticas para os seus dois bacurizinhos, que se entretinham bastante e se enchiam de orgulho do pai herói. A noite logo raiava, todos dormiam cedo e Anastácio não demorou a pegar no sono, naquele que era seu principal dia de descanso. A madrugada se estabelecia, a lua cheia alumiava o casebre onde ele morava; eram quatro horas da manhã, o homem acordou. Aquilo nunca havia acontecido, afinal era domingo, dia de dormir até mais tarde! Mas, tudo estava diferente! Anastácio acordou inspirado, resolveu embrenhar-se pelo mar, de águas ainda turvas, d’onde apenas refletia-se a luz do luar, numa noite de lua cheia.

O pescador desbravava as águas num navegar suave e afastava-se cada vez mais da costa. A escuridão aumentava à medida que se distanciava das bordas e só se via água por todos os lados. Os peixes ainda dormiam no fundo do mar e Anastácio banhava-se do luar, sua única companhia em meio à imensidão de solidão. De repente, começou a ouvir um canto. Tenro e suave; doce e maravilhoso. O cantar mais bonito que ouvia em toda sua vida! Só que, estava sozinho naquele crepúsculo, ainda era muito cedo, os pássaros ainda repousavam. D’onde viria tão belo som?! Aquilo lhe intrigou muito. Resolveu seguir em direção ao que ouvia. Flutuava sobre a água, em alto-mar, procurando saciar a paixão que aquele canto tão bonito lhe provocou.

Avistou, com um pouco de dificuldades, uma mulher, sobre uma enorme pedra, há alguns metros de distância, um pouco longe. Parecia ser a mulher mais bonita que seus amendoados olhos jamais viram. Dela emanava uma luz incandescente, que iluminava tudo a sua volta. Por isso o homem podia defini-la, mesmo à distância, tão considerável. Logo que a avistou, um forte vento tratou de agitar o mar. As águas outrora tranquilas, tornaram-se insanas, a noite tornou-se um breu ainda maior, pois a lua escondeu-se detrás de pesadas nuvens acinzentadas que tomaram o céu. Relâmpagos e trovões dominaram a paisagem, que se completou com os enormes pingos d’água que desabavam do firmamento naquele momento. Ondas enormes começaram a se formar, tendo uma dessas atingido a jangada de Anastácio, que desapareceu dentre aquela imensidão. Via-se apenas água, mais nada.

Com a tempestade, Dolores acordou, dando-se conta de que o marido já não estava mais ali. Mas onde é que Anastácio se meteu, quatro e meia da manhã, em pleno domingo e com uma tempestade daquela?! Dolores desesperou-se e logo a vizinhança inteira já estava sabendo do desaparecimento do pescador, mobilizando seus melhores amigos, que sem medo partiram em suas embarcações, em busca do companheiro que tanto admiravam. Afastavam-se cada vez mais da praia e nenhum sinal de Anastácio.

Esse, que acordou, depois de um breve desmaio, num lugar totalmente desconhecido, onde nunca imaginaria estar, deu-se conta ele, desmaiando novamente, no fundo do mar! Dessa vez, então, foi acordado por Rodo, a sereia que avistou outrora enquanto navegava. Era ela a dona da voz doce e maravilhosa e da beleza imensurável, jamais visto por um simples pescador como Anastácio. O homem estava sem palavras. E quanta beleza havia por ali: peixes e animais marinhos de todos os tipos, tamanhos e cores! Corais coloridos, numa paisagem que despertava muitos amores! Tantos que esse era exatamente o motivo de sua presença lá!

Rodo, filha do grande deus dos mares, Poseidon, estava à procura de um marido, e, apaixonou-se por Anastácio, seu escolhido. Seu pai nunca compreendeu seu fascínio pelo sutil pescador, com tantos bons partidos no Olimpo. Mas, como bom pai, apoiava a decisão da filha e Anastácio estava ali para se casar, já, naquele instante, estava tudo pronto para a cerimônia. O pobre homem estava boquiaberto. Não conseguia dizer uma só palavra! Quanta coisa passava pela sua cabeça naquele momento! Só tinha um empecilho: Anastácio já era casado e amava Dolores. Apesar da paixão repentina que aquilo tudo lhe causou, não podia largar sua família daquela forma!

Poseidon, então, no intuito de ajudar sua filha, ofereceu-lhe o controle das águas, de todos os mares e oceanos; iria se aposentar, passaria a morar no Olimpo com os outros deuses, e Anastácio seria o novo rei dos mares, poderoso e com uma rainha estonteante a seu lado. Uma proposta indecente! Mas o pescador queria reinar mesmo na terra, voltar para sua família e curtir o carinho da esposa e dos filhos, que tanto amava, assim como o ofício de pescador.

Sua recusa provocou a ira de Poseidon, que se enfureceu ao ver a tristeza de Rodo, que tinha seu amor recusado. A ira do deus ocasionou uma tempestade ainda mais terrível, com enormes ciclones e furacões, relâmpagos e trovões, que acabou por naufragar todos que estavam à procura de Anastácio em alto-mar. Poseidon queria tirar a vida de Anastácio. No entanto, Rodo implorou a seu pai que não o fizesse. Mesmo ele recusando ser seu marido, ela ainda o amava, e assim sendo, desejava sua felicidade, mesmo que longe dela. O deus então se acalmou, acatando as súplicas da filha, libertando Anastácio das profundezas das águas e fazendo com que a tempestade cessasse; d’onde podia contemplar-se o sol da manhã!

Dolores estava angustiada, sem saber ainda o paradeiro de seu marido. E os corajosos pescadores, amigos do amado de Rodo, nadavam aturdidos, a fim de chegarem à praia, já bem longe do vilarejo onde moravam. Quando conseguiram chegar, muito cansados, com suas respirações ofegantes, não se aguentando de pé, avistaram um homem, estirado na areia, de bruços, desacordado. Chegaram mais perto e constataram: era Anastácio. Estava vivo. Era um milagre de Iemanjá (ou seria de Rodo...)!

Acordaram-no cuidadosamente. Anastácio abriu os olhos vagarosamente e avistou seus amigos. Ufa! Estava a salvo! Não via a hora de voltar para casa e abraçar sua esposa e filhos! Todavia, os náufragos estavam longe de seus lares e sem embarcação alguma. Apesar do cansaço, entranharam-se na mata, em busca de madeira, para construírem uma jangada. Assim feito, puderam voltar para o vilarejo em Canoa Quebrada, onde toda a vizinhança esperava por eles, que foram recebidos por uma salva de palmas. Todos respiravam aliviados por tê-los de volta. Dolores se emocionou ao abraçar seu marido que também não conteve o pranto ao ver-se nos braços da família. Anastácio comprovou que aquele era o bem mais precioso que possuía e nunca os abandonaria, por nada neste mundo!

Ainda assim, uma coisa mudou na rotina do pescador: ele passou a acordar cedo todos os domingos. O motivo: Rodo cantava todas as manhãs desse dia, a fim de amenizar um pouco seu sofrimento, externando o amor que sentia. E Anastácio, apesar de apaixonado pela família, não resistia ao canto tão doce e encantador da bela sereia!

Conto selecionado no I Concurso de Contos da Fazu: http://www.fazu.br/01/?eventos_listar/966/1/1

Murilosl
Enviado por Murilosl em 04/07/2010
Reeditado em 17/07/2019
Código do texto: T2357059
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