É, querida Mildred, a vida não vale realmente nada, ela é efêmera, fugaz, e no final, Mildred, no final só os vermes triunfam. Somos torturados pela passagem dos anos, envelhecemos fisicamente, mas nossas almas continuam inquietas, jovens de tanto querer e sonhar. E o amor, Mildred? Ah, o amor!...O amor é uma vala rasa onde depositamos nossos corações pútridos, o amor nos mata vagarosamente, como um veneno lento e de efeitos devastadores e mortíferos. É Natal, Mildred. E agora eu sou um velho, apenas um velho. O Natal pode ser uma data terrível para um homem velho e solitário como eu. É, minha querida Mildred, o amor e a solidão acabam enlouquecendo a mente de qualquer um, ainda mais a de um velho sonhador e louco como eu. Eu não a tenho mais, Mildred, pois você se foi faz algum tempo, e me deixou aqui, com minha dor, com os achaques da velhice, na solidão fantasmagórica dos anos sombrios. Parece que foi ontem quando nos conhecemos, em Olinda. Éramos turistas estrangeiros conhecendo as belezas de Pernambuco, no Brasil. Eu e você acabamos nos apaixonamos e por aqui ficamos. Só que o tempo passou, Mildred. O tempo, o maldito tempo passou, acabando com tudo, acabando com nossos sonhos e esperanças. E veio então a velhice. Veio a doença. E veio a morte. E a morte levou você, Mildred. Para sempre, para sempre. Para bem longe de mim. Recordações que me vem à mente. De um tempo de alegria a seu lado. De carinho. Compreensão. Um tempo que não volta mais, a não ser nos sonhos alucinados de um ancião enlouquecido como eu. Sou um velho amargo que procura um sentido para a vida na morte. Um velho decrépito, bêbado. Um velho que não agüenta mais a solidão da velhice e da vida. Daqui a pouco será Natal, Mildred. E o Natal é uma coisa horrível para quem vive só como eu. Começa a chover. É uma garoa. O vento balança os salgueiros tristonhos. É quase meia-noite. As pessoas estão em casa, reunidas. Mas eu, eu estou só. Um velho amargurado desprezado por todos. Um velho ranzinza e amargurado. Preciso sair Mildred. Preciso ir vê-la, como venho fazendo há anos, desde que você se foi, Mildred. A noite é escura. O cemitério fica perto de casa. Levarei a lanterna. E levarei outras coisas, também. Ninguém me verá. Aqui é uma cidade pequena, que fica perto de Olinda, em Pernambuco. Foi aqui que viemos morar, depois que nos casamos. Ainda lembro sua frase, Mildred, sussurrada em meus ouvidos, “Eu te amo, Elliot! Viveremos felizes para sempre, aqui, neste paraíso do Brasil!”. Nada é para sempre, Mildred. Nada. Começo a tossir enquanto caminho rumo ao cemitério. Quando se é um velho acabado como eu, nada mais importa Mildred. Nada. Preciso vê-la novamente, meu amor! Oh, Mildred! A vida tornou-se um fardo insuportável sem a sua presença física ao meu lado. O peso dos anos acaba nos enlouquecendo. Um velho pode ser um louco fantasma vivo, na trilha tortuosa que o leva à morte. Este Natal eu a reencontrarei, Mildred. Meu Papai Noel será a Morte. A Morte Noel! Mas antes eu a verei, eu a verei fisicamente, mais uma vez, Mildred. Eu a verei antes de morrer para este mundo insano. Um velho como eu enlouquece aos poucos, na amargura de uma velhice solitária e rancorosa. Um velho como eu abraça o cadáver putrefato de sua amada retirado da tumba, na noite silenciosa e amarga. Um velho que antes de morrer, abraça a morta, Mildred, um corpo já em adiantado estado de decomposição, abraça-a como um velho necrófilo, no seu último gesto de paixão e loucura, no seu último desejo de amor, antes de morrer de velhice. A chuva começa a aumentar. Começo a tossir enquanto começo a forçar o pé-de-cabra no jazigo. Estou doente e velho, mas ainda restam-me as derradeiras forças. E logo com a mesma ferramenta começo a abrir o túmulo. O túmulo de minha querida Mildred, morta a mais de vinte anos. Antes de morrer para este mundo, eu a abraçarei novamente, o seu cadáver decomposto, o corpo pútrido, fétido e esquelético de meu amor, de minha querida e inesquecível Mildred, morta a mais de duas décadas! Descansaremos em paz, Mildred! Em paz, com amor, juntos, na morte!