O “LP”
José Romeu-São Paulo
Quando nasceu foi fazer parte de uma estante luxuosa de uma casa de discos, no centro de São Paulo, freqüentada por pessoas de alto poder aquisitivo, bem trajadas e com modos finos.Assim, um belo dia, escolhido por uma jovem e elegante senhora, foi de Galaxie para o Morumbi.
Manuseado cuidadosamente e colocado para tocar em uma vitrola, grande, de madeira e acrílico, numa enorme sala com lindos tapetes e quadros caríssimos, tornou-se um dos discos preferidos nas reuniões e nas horas de devaneios da jovem senhora que o havia comprado.
Vivia confortavelmente, limpo, em companhia de outros amigos, célebres e famosos.Foi esse o seu momento de fama, sempre admirado e alvo de elogios.
Com o passar do tempo, com sua capa amarelada e o seu corpo com alguns riscos, todos eles muito doloridos, foi colocado em um outro móvel um pouco distante da vitrola e já não era ouvido com tanta freqüência.
Vivia assim, confortável, já não tão limpo, com as suas cicatrizes e em companhia de amigos que não eram mais célebres e nem famosos.Tinha momentos de solidão.
Certo dia, perplexo, viu a velha vitrola ser substituída por um novíssimo e sofisticado aparelho de som que, para sua surpresa, não tinha lugar para os LPs.
Não demorou muito, começaram a surgir os novos discos, seus parentes modernos: os CDs.
Os antigos, ele no meio, foram parar num sebo de discos antigos.Sua nova casa: uma prateleira de madeira compensada, empoeirada, num velho salão, ladrilhos antigos pretos e brancos e luminárias fluorescentes.
Ficou então, misturado com toda espécie de objetos, discos, livros, revistas, fitas de vídeos, gibis.Vivia então o seu momento de esquecimento, empoeirado, manuseado diariamente por muita gente, mas nunca escolhido.
Foi assim envelhecendo naquele local.Os anos passaram, já não ouvia e nem enxergava bem. O som muito alto e a iluminação precária haviam contribuído muito para que isso acontecesse.Até que, chega aquele lindo e ensolarado dia, véspera do Natal e um jovem, depois de muita procura, o avista e retira cuidadosamente da prateleira.Após algum tempo, segura-o firmemente, leva-o até o caixa e pergunta:
“Quanto custa este velho disco?”
Obtendo a resposta, resolve comprá-lo.
Lá vai então, num carro importado, para a sua nova casa.
O jovem descendo do carro, disco na mão, entra em uma enorme sala e o coloca sobre uma vitrola de madeira e acrílico, em excelente estado de conservação.O LP e a vitrola se entreolharam e a amizade rejuvenesceu.
O jovem chama então:
“Carlos, venha ver o disco que o papai comprou de presente, para a velha e querida vitrola que nós resolvemos restaurar”.
O menino tira o disco da capa examina-o e diz:
“Ele ainda esta muito bom, será que ainda dá para ouvir?”
“Acho que sim”, responde o jovem.
“Esses discos antigos, com uma boa limpeza, ainda produzem um ótimo som”
O menino abre a capa para colocá-lo no lugar e vê algo escrito. Um nome e uma data.
“Papai, veja isto!!.Não é o nome da vovó?”
O jovem em passos rápidos se aproxima, pega a capa da mão do menino e lágrimas brotam dos seus olhos.
O LP e a vitrola olham e sorriem um para o outro...
11.10.2005
José Romeu
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