A noite negra cai sobre as arvores como um manto de trevas vindo do céu, ocultando a presença daqueles que participarão do banquete da vingança. A luz da lua cheia, que se encontra bem acima com algumas nuvens ao redor, reflete sua palidez na neve que cobre o chão e nos afunda a cada passo rumo ao massacre. O vento frio sopra fazendo barulho entre os galhos, não esfria meu ódio, a caçada a estes monstros imundos e assassinos não pode parar! Como uma sombra mais escura que o breu dos medos mais íntimos de cada ser, eu os perseguirei e os encurralarei indefesos contra minha presença. A neve cai e cobre seus rastros, mas não é preciso ver para segui-los, seu cheiro pode ser sentido a distância e o olfato mais apurado de um de nossos irmãos diz que estão próximos.
Tentamos viver sempre longe para não termos que conviver junto a eles, mas estas criaturas bestiais chegam com suas lanças que brilham e nos matam a distância e suas garras brilhantes que nos cortam, depois nos deixam para apodrecer sobre a terra.
A pouco tempo estava caçando com irmãos para alimentarmos nossas famílias, quando ouvimos os estouros e os chamados desesperados, voltamos o mais rápido que pudemos. A cena que presenciei foi o despertar da ira! Muitos dos nossos, incluindo os pequenos, estavam jogados como lixo na neve, agora vermelha com sangue inocente, feridos, dilacerados e sem pele. Alguns ainda tentavam dar algum suspiro resistindo inutilmente aos ferimentos causados pelas lanças malditas que brilham e estouram, e entre estes moribundos, vi meu filho mais velho ao lado dos corpos inertes de meus outros três pequenos, mortos e mutilados com as vísceras a mostra. Com alguns rosnados quase não audíveis, ele me disse que tentou protegê-los, mas os monstros são maiores e atacaram sem piedade. Pouco antes de finalmente nos deixar, meu filho apontou a direção em que foram. Meus filhos foram mortos de maneira cruel e covarde!
Convocados todos os parentes que estavam ao redor, iniciamos a caçada mortal contra este lixo expelido da terra! Agora os encontramos numa clareira ao redor da grande luz tremulante sobre a qual eles colocam partes de outros animais, eles estão usando peles sobre o seu corpo, peles de nossos parentes, como pode uma aberração tão grande como esta?
Eles não tem saída, estamos em maior número e escondidos nas trevas esperando a hora certa com os olhos carregados com o horror do pior dos pesadelos. Consigo ver a pequena forma ondulante que passa à minha vista cada vez que respiro, antes de dar o sinal de ataque. Após um longo suspiro, levantei minha cabeça e bradei o grito de guerra, fui respondido por todos os que me acompanhavam. Todas as criaturas que ali estavam, em volta da luz, se levantaram e pegaram suas lanças malditas e suas garras brilhantes para se defender, nada conseguiam ver a não ser centenas de círculos brilhando ao seu redor na escuridão a observá-los atentamente antes de invadirmos a clareira, eles podem ser maiores e ter suas armas, mas nós temos o ódio e o medo que impomos com o olhar.
Derrubamos e atacamos em grupo, sem piedade, fazendo com que a pequena clareira fosse palco de um espetáculo sombrio em preto e branco que acaba de ganhar cor com o vermelho que banha a todos. Alguns de nós acabam sucumbindo as malditas lanças, mas uma hora elas pararam de funcionar e é o momento em que os monstros se curvam perante ao verdadeiro horror. Um deles, atacado por meu irmão, caiu sobre a luz que tremeluzia e os dois foram envolvidos por ela, mesmo gritando pela dor que ela causava, meu irmão apertou o pescoço de seu adversário até ambos deixarem a vida.
O ultimo deles foi encurralado e retirou sua presa brilhante que carregava junto ao corpo, eu avancei ofegante e vagarosamente sobre ele como a saborear este momento, em seus olhos eu vi o medo que consumia todo o seu corpo e fazia com que fosse uma simples presa aos meus olhos. Com um pulo eu o ataquei em fúria, mas ele me cortou e feriu um de meus olhos antes de irmos ao chão. Caímos juntos e facilmente o dominei. Quando finalmente estava sobre seu peito, o ouvi resmungar algo em seu idioma estranho, não sei o que disse, mas o som irá ficar em minha mente até o fim de meus dias: “malditos lobos”
Então encravei minhas presas o mais profundo que consegui em seu pescoço e não parei nem mesmo quando não sentia mais o sangue quente que espirrava sobre mim. Ao final, cada sobrevivente olhou para o alto em direção a grande orbe de prata e todos agradecemos pela chance de vingança que nos dera. Se existe algo que foi criado pela terra da qual eu sinto um ódio infindável, são estes monstros que se intitulam “homens”.